Na Baixada, Murillo, campeão de 1934, com a camisa rubro-negra – que vestiu por amor
A camisa. Foi ela quem fez surgir, como se fosse uma carta que ficou perdida nos correios desde 1934, esta foto. Carta de amor, porque se trata de algo que está sendo atropelado pela modernidade que se diz inteligente; mas imbecil na totalidade. Como definir este sentimento por um time de futebol? Por mais que se esforce, não há como. Amamos – e pronto. E esse sentimento, que é essência, sempre teve símbolos concretos, como as cores, o escudo a identificar. Olhem esta camisa com atenção. Parece mal ajambrada para os padrões de hoje; mas ela traduz uma coisa que não há cartola modernoso e que pensa grande para o futuro que vá enterrar na avalanche movida a dinheiro. Sim, não há o escudo aí; mas era assim que o time deste menino de 18 anos entrava em campo e começava a construir uma história de muitos títulos e nos presentear com a alegria pura que a magia do futebol proporciona. Está vendo este campinho onde o jogador cheio de orgulho posou para o registro eterno? O primeiro ano do templo, que é sagrado para a torcida rubro-negra – a Baixada de sempre, seja ela com um estádio moderno ou assim mesmo, como se mostra no palco onde se batalhou para conseguir o título estadual daquele ano. Este menino tinha 18 anos e no time em que atuava o goleiro era o único a estampar na camisa negra o escudo formado por letras e que se tornou lenda para a torcida. Caju tinha o CAP bordado em cima do coração – e foi por isso que nunca jogou para outro time, mesmo chegando à seleção brasileira. O bom de se falar sobre o passado, é que podemos editar, ensinou o mestre Armando Nogueira. Agora, o bom de se falar sobre a camisa, o escudo, as listras horizontais que marcaram boa parte dos quase cem anos de história do Clube Atlético Paranaense, é porque atropelaram tudo isso e, hoje, o time estreia em mais um campeonato estadual com um uniforme e um escudo que parecem querer apagar tudo o que foi construído até agora no coração da torcida – como se isso fosse possível. Que modernidade é essa que, pra começar, estraçalha símbolos de tradição, numa demonstração de prepotência e falta de respeito? Quantos meninos como este da foto deram o sangue para erguer este patrimônio que não tem preço e não é feito de concreto, negociações, etc? No time em que jogava nosso personagem, também atuou Zinder Lins. Alguém aí já ouviu falar nele? Zinder é autor da letra cujo refrão (“e a camisa rubro-negra, só se veste com amor”), conhecido em todo o Brasil, agora vai ficar como, cantada que será para um uniforme em que as listras, que já foram alteradas do horizontal para o vertical, num primeiro atentado, são enviesadas, “de fianco”, de “revestrés” como já estão gozando? Pois quando o menino da foto encantou, ele que deixou como herança para filhos e netos o amor pelo Atlético, quando morreu foi enterrado com a bandeira e seu amigo Zinder cantou o hino como última homenagem. Gabriel Garcia Marques disse que se uma pessoa tem histórias pra contar sobre a própria vida, ela valeu a pena. Todos os jogadores que ao longo dos anos vestiram a camisa rubro-negro têm o que contar com orgulho. Quem a modificou agora, há que se reconhecer, fez e faz muito pela história do clube, mas esta é uma mancha que não condiz com o resto. Há tempo de mudar, mas…Murillo (Murillo Gomes Correia, também conhecido como Major Murillo), o menino da foto, campeão paranaense de 1934, com certeza ficaria muito feliz se isso acontecesse, assim como seus herdeiros (entre eles, José Maria Correia) e todos que amam e respeitam a história do Clube Atlético Paranaense.
Querido Zé Beto,
Creio que ninguém jamais escreveu um texto tão lindo sobre a camisa rubro-negra e ter tido meu pai Murillo como personagem foi uma honra enorme.
O pai de fato vestia a camisa por amor e paixão, naquela época em que foi campeão não eram pagos
Ele e o irmão Mozart o Jajo foram campeões jogandi e como diretores.
Em nossa família o Atlético sempre foi e sempre será o time dos nossos corações e depois do pai os filhos, netos e bisnetos todos vivemos a mesma paixão que você tão bem soube descrever.
Não tenho palavras para agradecer.
José Maria
Crônica antológica! Como conviver com esse novo “Aflético” ? Diante do Furacão histórico quem se acha todo poderoso de desrespeitar o passado para quiçá comprometer o futuro? O Furacão glorioso de encher a boca convive agora com um asmático “aflético” …
Belo texto. O craque Murillo fez um gol de placa com o filho Zé Maria.
Zé Beto, boa noite.
Sou neto do Murillo. Parabéns pelo excelente texto sobre a tradição da camisa rubro-negra e obrigado por compartilhar um pouco da memória de meu avô.
Ele infelizmente partiu antes da minha chegada. mas sempre me inspirou a pensar que herdei algum talento para o esporte – a paixão pelo futebol e pelo CAP, sem dúvidas.
Abraços