Sentei-me naquela velha poltrona, rainha da sala e do passado. Quem nela se sentou, hoje já não sente. Por debaixo de suas almofadas havia farelos dos biscoitos das noites de amor e de sonhos do meu avô. Restos do que ele sempre quis dizer à minha avó, mas não falava por medo, insuficiência, ou dó. A cor dela, tipo verniz, é uma metáfora do que não se diz. Uma lágrima no canto, onde o couro tornou-se impotente diante da solidão. Braços ainda abertos, essa poltrona tem. Abraços nunca dados com o corpo. Meu avô agora morto. Viva o design secular do lugar onde ele descansava! Ou mesmo cansava-se ainda mais, pelo peso do tempo, que em suas rugas tornara-se muito. A sala, poltronal, tem uma sabedoria híbrida, mole e rígida. Sentar-se na poltrona é lembrar-se de quem tanto esquecia-se. Lembro-me da bengala do meu avô. Ajudava-o a equilibrar-se quando uma palavra de minha avó o fazia pender, caule. Pendia, em pensamentos ranzinzas se perdia. A bengala: ele voltava a ficar sereno. Ali ele sentava-se, acumulador de horas e lutas, e pegava-me no colo. Meus pés não alcançavam o solo. Na gaiola dos conselhos e do tempo sobreposto (várias camadas de gerações), eu voava mais longe. A poltrona, a memória. Meu avô a perdeu. Eu nela guardo ele. Caixão de beijos vivos. Vô, meu amor, sente-se em mim. Descanse no couro que sou. Estique suas pernas sobre as minhas. Se eu não aguentar o peso da saudade, usarei a minha bengala nos meus discursos de paz, na minha fala.
(Oberlan Rossetim)