de Ivan Lessa
Apresentando visíveis sinais de intoxicação, apresentou-se voluntariamente às autoridades policiais do 12º Distrito, Joaquim de Paiva Delgado (26 anos, solteiro, residente na Rua Arquias Cordeiro, s/n). Trêmulo, barbado, óculos escuros, Joaquim tentava explicar ao comissário de plantão como chegara a tal estado de degradação:
– Foi quando eu tinha 5 ou seis anos. As más companhias. Uns meninos de rua me ensinaram a fechar os olhos e rodar e rodar até ficar tonto. Aí eu parava, abria os olhos e tudo girava. Quer dizer: “eu estava fora de mim”. Mas aquilo que eu chamava “fora de mim” batia muito dentro de mim. Então era preciso continuar, compreende? Não que eu quisesse ou gostasse. Apenas era necessário. Depois, uma vez que o sujeito esteve “fora de si” não há como voltar, entende:? Feito você cortar uma lagarta pelo meio: durante algum tempo as duas partes continuam a se mexer, estão, por assim dizer, vivas e independentes uma da outra. Mas não há mais como juntá-las. Então eu estou por aí, de olhos fechados, rodando, para ficar “fora de mim”. É meu jeito de completar, sabe?
O indivíduo prosseguiu a falar, desconexo, por horas, até finalmente ser removido para o pronto-socorro psiquiátrico.