Achei a fantasia do Evandro Castro Lima. Não, não estava no armário, mas dentro de um baú empoeirado no sótão. Conservava o brilho e as cores. Tirei dali. Embaixo encontrei duas botas prateadas com sola e salto plataforma. Havia um bilhete escrito a mão e grampeado numa das mangas. Pedia para vestir e sair por aí. A assinatura era do meu avô materno. Nunca soube que ele tinha esse gosto. O máximo é que saía catando latas e garrafas pela vizinhança do bairro para sustentar o vício dele – O cigarro. Morava em cima de uma garagem onde o filho rico guardava o carro importado, um Vauxhall. Mas o velho era cismado e linha dura. Talvez tenha achado a fantasia num terreno baldio que ainda existia naquele tempo. Vai saber… Atendi a ordem. Vesti. Foi meio difícil porque, pelo jeito, o famoso concorrente dos concursos de fantasia do Municipal do Rio era mais baixo e mais magro. Não saí por aí. Me olhei num espelho grande encostado num canto. Vi uma passarela e alguém me anunciando. Entrei. Do outro lado ouvi alguém gritar “divino!”. Era meu avô, olhinhos brilhantes separados por um nariz de batata. Mandei um beijo para ele, que agradeceu. Não havia mais ninguém naquele outro lado. Voltei ao sótão. Estava exausto. Guardei a fantasia. Tive então a certeza de que em algum lugar alguém ficou muito feliz.