por Yuri Vasconcelos Silva
Sobre o documentário Árvores Vermelhas.
Um lugar, muitas mudanças. Foi parte do Império Austro-Húngaro. Passou pela ocupação da Alemanha Nazista, escondeu-se atrás da cortina de ferro imposta pela União Soviética e, por fim, tornou-se a República Checa, agora separada da Eslováquia. Se transformações são, quase sempre, acompanhadas de alguma dor, o documentário de Marina Willer vai ao cerne deste mecanismo. Árvores Vermelhas (dir. Marina Willer, 2018) faz uma impressionante viagem pelo interior da República Tcheca, guiados ao passado pela memória de um dos poucos sobreviventes judeus daquele país, o arquiteto Alfred Willer. As lentes de Marina capturam imagens com forte compromisso estético para suavizar um relato triste e violento de uma criança – com menos de 12 anos – testemunha da ocupação nazista. Em uma idade quando imagens ficam impregnadas na memória e, se não houver destreza daquele que as carrega, pode arruinar o resto da vida. O documentário não deixa claro como Willer conseguiu atravessar este período, seguir a vida, ter filhos e netos, e se estabelecer como um dos mais importantes arquitetos do Paraná. Mas há algumas pistas. A mais óbvia, o fato de sua filha dirigir a filmagem, soma-se aos relatos dos três filhos – Marcelo, Marina e Daniel – e indicam que Willer nunca comentou sobre o assunto com ninguém. De alguma maneira, ele encerrou as memórias em um cofre para talvez nunca mais encontrá-las novamente. Neste sentido, a viagem de Marina com seu pai, pelo interior da República Tcheca é, antes de uma investigação histórica, uma costura afetiva importante na relação entre pai e filhos. Mesmo que a beleza da fotografia e trilha sonora do filme, que desliza entre imagens de edifícios degradados onde os pais de Alfred Willer viveram e trabalharam, criem uma poética visual agradável, é difícil não se emocionar com a narração. De fato, a história contada por Willer é viga mestra no documentário, onde um segredo industrial guarda a chave da sobrevivência da família durante a ocupação alemã. Passado o horror, Willer se estabelece como um cidadão do mundo e, em Curitiba, constrói uma carreira e família pautado por toda forma de arte. Seus projetos ganharam concursos nacionais, como a sede do BNDES no Rio. Foi o primeiro presidente da Fundação Cultural de Curitiba. Autor do mais antigo conjunto de habitação popular de Curitiba, cujo conceito vanguardista mantém-se alinhado às ideias mais atuais para o urbanismo social. Foi professor de arquitetura na UFPR e hoje divide seu tempo entre o Reino Unido e o Brasil. Os olhos azuis cristalinos de Alfred Willer miram direto para a platéia. Diante de suas lembranças, é possível sentir grande empatia pelo sofrimento e perdas do narrador. Ou então, se alegrar com a notável superação, representado pela família e trabalho. Em última instância, seu olhar é aberto a todo tipo de interpretação. Depende apenas daquele que assiste e sente o desenrolar deste documentário que se aproxima da linguagem de um filme em sua particular arte. Assim como Alfred Willer, daltônico, tem uma percepção única de uma floresta – que viceja em vermelho – o espectador terá uma experiência única ao encarar as memórias por trás do azul destes olhos.