Do G1
Morre, aos 89 anos, o cineasta Nelson Pereira dos Santos
Nelson Pereira dos Santos deu entrada no Hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio, no meio da semana passada, com pneumonia. Ele foi diagnosticado com câncer no fígado. Um câncer muito agressivo, que já estava num estágio avançado. Neste sábado, às 17h, a família confirmou a morte do cineasta. O corpo de Nelson Pereira dos Santos vai ser velado na sede Academia Brasileira de Letras, no Centro do Rio, e enterrado no Cemitério São João Batista.
É, basicamente, uma questão de escolha. O lugar onde o olhar se demora.
Os detalhes que ele procura. As imagens que ele guarda. E desde muito cedo ele fez questão de mostrar para onde apontava o seu olhar. Pode-se dizer que sua grande lente aberta enxergava o Brasil. Mas fechando o foco o que ele mostrava em detalhes era nossa gente.
Um processo que começou na década de 50. Quando o jovem paulista, diplomado em cinema na França, veio ao Rio de Janeiro mostrar em preto e branco a pobreza dos morros cariocas.
Rio 40 graus conta a história de cinco meninos pobres que correm a cidade vendendo amendoim. Foi um marco do cinema novo, mas o chefe da segurança pública da época viu e não gostou. Censurou o filme dizendo, entre outras coisas, que ele tinha uma mentira térmica: nunca fez 40º no Rio. Mas não havia censura capaz de impedi-lo de cumprir o seu destino.
Aliás, diga-se que Nelson Pereira do Santos foi um predestinado. Ainda pequeno de colo, era levado pelos pais todo domingo para ver filmes no cinema. A mãe carregava mamadeira para as sessões.
O menino cresceu lendo a nossa literatura: Jorge Amado, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos. Aquelas histórias formaram imagens que Nelson nunca mais esqueceu. E assim que pôde correu atrás de cada uma delas. De Amado, a Tenda dos Milagres. De Graciliano, Vidas Secas.
Na década de 70, roda uma mistura de aventura e comédia. “Como era gostoso o meu Francês” levou 800 mil espectadores às salas de cinema. Em 1984, mais um flerte literário, Nelson Pereira dos Santos volta a rodar um filme inspirado em Graciliano Ramos: Memórias do Cárcere.
“Eu acho que o Graciliano, para mim, não somente para mim, mas para todos os brasileiros da minha geração, é um grande pai cultural. É um homem que deixou na sua obra um caminho que deve ser percorrido. Essa relação com a realidade social e humana que existe no Brasil”, disse o cineasta na época.
Em 2006, Nelson Pereira dos Santos foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. O primeiro cineasta entre os imortais. Ocupou a cadeira que tem como patrono Castro Alves.
Mas ainda tinha outra paixão: a música. A música brasileira. Um dos últimos filmes de Nelson foi lançado em 2011: “a música segundo Tom Jobim”.
“O Nelson era um grande contador de histórias, talvez um dos maiores do cinema brasileiro e um dos maiores do cinema. Ele tinha um afeto e, ao mesmo tempo, um rigor com seus personagens que fazia com que os filmes dele fossem muito únicos”, destaca Bruno Barreto, cineasta.
“Ele tinha essa visão de um homem que amava o Brasil, que amava essa terra, como poucos. E amor ao povo brasileiro, que é um povo trabalhador, esforçado, que luta todo dia. E eu acho que é isso que está nos filmes dele, esse amor que ele tem pelo país, esse amor que ele tem pela nossa gente”, comenta Ney Sant’anna, ator e filho do Nelson.
“O que eu espero é viver metade da vida que ele viveu, assim. O meu avô foi uma presença muito importante na minha vida, não só como figura pública e tal. A coisa de descobrir que o meu avô é um grande cineasta, mas ele foi um super avô” conta Mila Chaseliov, neta de Nelson.
Patrono do cinema, amigo querido, pai dedicado, avô exemplar. Se a vida passa depressa como um curta metragem quantos protagonistas um homem é capaz de ser?
“O Nelson inventou uma maneira de fazer cinema no brasil. Todo o cinema moderno brasileiro foi inventado por ele. Ele foi o primeiro a filmar a favela como um tema nobre. Ele foi o primeiro a fazer cenas na rua, como a gente precisava conhecer o Brasil. Ele inventou um cinema para o país e o país coube dentro do cinema dele. A única coisa que me dá uma certa esperança é que o Nelson é uma chama que não se apaga”, afirma Cacá Diegues.