por Fernando Canzian
Sem o habeas corpus do STF, Lula não só não concorrerá à Presidência como deve ser preso. Para os candidatos que ficam, a trajetória do ex-presidente serve de exemplo pelo que fez e como chegamos ao buraco atual.
Lula terminou seus dois mandatos em 2010 consagrado. Com a mais alta aprovação (83%) da série do Datafolha e o maior crescimento do PIB (7,5%) desde o Plano Cruzado de 1986.
Cálculos da FGV com dados do IBGE revelaram que nunca o Brasil distribuiu tanto a sua renda e diminuiu a desigualdade entre ricos e pobres, o que explicaria a popularidade recorde e o maior PIB em 25 anos ao final do mandato.
Lula teve a sorte de governar sob um boom internacional das commodities, mas também bancou políticas pró pobres como o Bolsa Família (ao custo de R$ 29 bi/ano) e aumentos reais para o salário mínimo (que subiu 54% além da inflação).
Mas o maior avanço em seu governo se deu pelo esforço dos trabalhadores em um contexto macroeconômico seguro, de contas públicas relativamente arrumadas, inflação baixa e câmbio estável. Nesse ambiente, o trabalho prosperou a partir do otimismo e investimentos empresariais.
Na média da década finda em 2014, 80% da melhora na renda dos brasileiros se deu pelo trabalho. Mesmo entre os mais pobres, dependentes do Bolsa Família, o trabalho foi o que pesou mais no crescimento da renda.
O irônico é que Lula ofereceu essa estabilidade quase à força a partir de 2003, quando assumiu devendo US$ 30 bilhões ao FMI por conta de acordo fechado meses antes com o Fundo pelo governo FHC.
O acordo obrigou o Brasil a fazer um grande ajuste fiscal que colocou as contas públicas em ordem, favorecendo o ciclo virtuoso da economia.
Na média, Lula manteve o superávit nas contas públicas em 3% como proporção do PIB. Dilma 1 derrubou essa “economia”, usada para reduzir a dívida pública, para 1,7% do PIB. Já nos últimos três anos houve déficit médio de -2%.
É disso que se trata a atual crise. Foi essa troca de sinal, de superávitpara déficit, que engendrou a recessão que enfrentamos a partir de 2015.
O dado fundamental é que, ao passarmos do azul para o vermelho, a dívida pública bruta do país saltou cerca de 20 pontos, atingindo 75% como proporção do PIB hoje.
É isso o que está por trás da dúvida dos empresários (“o país vai quebrar?”) sobre investir ou não e criar empregos para sustentar um novo ciclo virtuoso.
Para que isso ocorra, não há hipótese de escaparmos da reforma da Previdência. O sistema atual é hoje a principal causa do déficit, travando decisões de investimento e empregos futuros.
Nesta eleição, quem promete outro ciclo de crescimento sustentável sem defender a reforma da Previdência e mais cortes de gastos mente ou está mal informado.
*Publicado na Folha de S.Paulo