Na poesia — mesmo em prosa — eu me vingo da minha frágil condição humana, tão rude e pesada, e posso ser profeta sem que me detenha a polícia ou me exterminem meus vizinhos da esquerda ou da direita, que não passam de pequenos burgueses. Graças à poesia posso mostrar-me nu em público, ridicularizar o ridículo (em mim, inclusive), tocar a fanfarra sem ser data nacional e fazer-me diabólico quando não acredito nem em Deus. Filtro-me através da poesia como uma água salobra e sem dignidade, cheia do lodo dos séculos e das algas impuras e despidas de mistério — eu que sou hipocampo. Faço da poesia o meu hino de revolta mas também de perdão, que entoo em pleno silêncio e sem nenhum coro estranho, a não ser o dos meus fantasmas, que afinal são eu mesmo sob a forma de mil espelhos e de ecos inenarráveis.