por Helena Carnieri, na FSP
Uma médica de Curitiba fez seu casamento no interior do Paraná há 12 anos, na cidade do marido, no interior, e ficou surpresa com o cardápio: churrasco com cuca (bolo coberto com farofa doce).
Naquele momento ela era apresentada à culinária “da roça” sulista, em que não faltam animais inteiros no espeto ou “no buraco”, em congraçamentos que costumam ser muito masculinos, na avaliação do chef Flávio Frenkel, 49. “Querem a coisa ogra mesmo”, ele brinca.
Outros pratos sulistas têm grande influência de imigrantes europeus, especialmente italianos, alemães, poloneses e ucranianos.
Pois foi uma senhora com sobrenome italiano, Tereza Penazzo, de Araruana (PR), quem encontrou uma receita alemã numa revista e passou a fazer a improvável “sopa de leite” – espécie de canja batida no liquidificador à qual ela acrescenta leite, salsinha e frango desfiado.
Mais conhecido é o pierogi (para os poloneses) ou perohe (para os ucranianos). A trouxinha de massa que leva batata no recheio é amplamente consumida, disponível em qualquer feira gastronômica de rua em Curitiba e também encontrada em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Adaptações também são encontradas: “O prato saiu de Prudentópolis (PR) e ganhou molho de tomate em cidades italianas vizinhas, além do recheio de ricota”, conta Frenkel. Ele nunca esquece do pierogi com recheio de feijão que experimentou no oeste do Paraná.
Prato típico do litoral paranaense, o barreado é uma carne desfiada durante muitas horas em panela de barro, servida com farinha e banana. Faz a festa do turismo nas cidades históricas e é a única iguaria considerada exclusiva do Paraná.
Em matéria de ingrediente, uma semente. O pinhão é consumido a partir de abril, quando é emitida a autorização ambiental para colhê-lo dos pinheiros.
Vai bem cozido ou assado na chapa, mas também entra em pratos como ensopados e farofas. Sem falar nos doces: brigadeiro e marrom-glacê de pinhão não apenas existem como são apreciados.
A comida sulista não passa incólume à nova onda gourmet, em que os pratos ganham sofisticação mas também exotismo no encontro com ingredientes típicos de cada região.
Foi o caso do “nhoque de abacate com molho de frango e café”, criado pelo chef Paulo Gustavo Sartorio, 25, de Arapongas (PR). Estimulado por um concurso da Secretaria de Estado da Cultura, ele lançou mão de produtos da agricultura do norte paranaense (abacate, frango, ovo e café) para fazer sua mescla.
O livro “Delícias do Paraná – Tradições e sabores da nossa terra”, organizado pela secretaria de Cultura do estado com 81 receitas típicas, registra tudo isso e ainda criações baseadas na típica comida da roça, como o porco pizza, boi na horta, frango invertebrado, frango na telha, leitoa fuçada e peixe na cerâmica.
A publicação serve ainda de memória da imigração, compilando pratos como mazureck, sfregolá, varéneke (o pierogi dos russos…), tortei, haluski e até um “x-krakóvia”.
Para saber o que são e experimentar, uma opção é percorrer as rotas gastronômicas étnicas do estado.
Um reparo sobre o barreado: ao contrário do que está escrito, não se trata de carne desfiada durante várias horas numa panela, mas sim de carne desfiada “cozida” em panela bem fechada durante várias horas… e como manda a tradição, se possível, com a panela enterrada numa cova coberta de barro e com a lenha ardendo por cima.
Diz a história que a iguaria era preparada pelos escravos durante o carnaval. Enquanto a carne cozinhava à noite, os escravos de divertiam e somente na manhã seguinte matavam a fome.
Logo as madames da casa grande passaram a exigir, em sua própria mesa, o apreciado quitute…