5:55Um banquete intelectual

Por Ivan Schmidt 

A boa notícia foi dada pelo jornalista Juan Cruz na edição do El País do último dia 21, onde se informa que nesse 1º de março as livrarias espanholas e de outras capitais europeias dariam início à venda do mais recente livro escrito pelo Nobel peruano, Mario Vargas Llosa, com o título La Llamada de la Tribu (O chamado da tribo), em tradução livre.

A expectativa do leitor brasileiro admirador da obra do escritor nascido em Arequipa (1936), é que o livro em questão logo seja traduzido para o português, cujo provável lançamento deverá ser feito pela editora Alfaguara, que ostenta em seu catálogo quase todos os livros produzidos por Vargas Llosa.

Segundo Juan Cruz, o livro do autor de A festa do bode, é uma espécie de testamento político-ideológico, com base no aprofundamento da leitura de mestres do pensamento moderno como Karl Popper, Friedrich Von Hayek, Isaiah Berlin e Ortega y Gasset, entre outros.

Talvez um dos escritores latino-americanos mais criticados pelo fato de ter transposto o terreno movediço entre o marxismo e o liberalismo – trajeto detalhado no presente ensaio – após longos anos de aprendizado que se estendem desde a época em que, ainda jovem, o aspirante a escritor mudou-se para Paris, onde sonhava tornar-se um novo Sartre, um dos ídolos de sua juventude.

Contudo, poucos anos depois já havia quem chamasse Llosa de “agente anticubano”, pela convicção que demonstrava ao acusar o mandonismo de Fidel Castro, que no início da gesta se apresentava ao mundo (e ao povo cubano em particular), como um legítimo libertador.

Candidato à presidência do Peru e derrotado por Fujimori, segundo Juan Cruz, Llosa teria contado a um repórter da Paris Review, em 1990, uma conversa amigável com Pablo Neruda, em Londres, quando se festejava o aniversário do grande poeta chileno.

O peruano queixou-se de artigo recente que o irritara sobremaneira pela quantidade de insultos e mentiras escritas contra ele. Com autêntica premonição Neruda simplesmente respondeu que essas coisas aconteciam com aqueles que “estavam ficando famosos”.

“Quanto mais famoso você for, mais será atacado. Para cada elogio você receberá dois ou três insultos. Eu tenho um caixote cheio de todos os insultos, vilezas e maldades que um homem é capaz de suportar. Não me pouparam nenhum: ladrão, pervertido, traidor, delinquente, chifrudo… Tudo! Se você se torna famoso, tem de passar por isso”, advertiu Neruda.

O percurso de Llosa do comunismo marxista ao liberalismo demorou décadas, mas houve um fato que demarcou o rompimento definitivo – o caso Padilla – ocorrido em Cuba nos meados dos anos 70 do século passado. Posições históricas e doutrinárias da esquerda foram abandonadas e mesmo a devoção por Jean-Paul Sartre foi substituída pela aproximação com Albert Camus, fato que levou os descontentes a apodá-lo de liberal.

Cruz observa que o livro “é uma resposta ao epíteto e, sobretudo, uma espécie de ceia com sete mestres que o converteram à fé liberal da qual agora se sente tão orgulhoso como de ter abraçado a fé em Faulkner, Borges e Flaubert”. E o próprio Llosa admite que as jornadas exaustivas vividas com os mestres que qualificou como sua tribo, a saber, Adam Smith, José Ortega Y Gasset, Friedrich August Von Hayek, sir Karl Popper, Raymond Aron, sir Isaiah Berlin e Jean François Revel, salvaram sua alma.

Desse time invejável de gigantes intelectuais do liberalismo, Llosa faz questão de nomear os três a quem mais deve do ponto de vista político: Popper, Berlin e Hayek. O autor da matéria do diário editado em Madri acrescenta que “com todos estabelece no livro um debate afetivo. Smith, pai da economia moderna, ele situa nos prados escoceses, falando sozinho; de Ortega não poupa nenhum traço de seu caráter; Hayek ele encontra quando já transita no campo liberal, mas o mestre o surpreende falando-lhe, de brincadeira, de Bakunin”…

O livro é autobiográfico mesmo que não pareça, e nele Vargas Llosa conversa com os mestres como se fossem comensais à sua mesa, cujo pensamento passa a incorporar e situar “como parte imprescindível de sua própria vida pessoal e política”, apontou Juan Cruz em apreciável parágrafo: “Como se falasse de amigos com os quais brigou no passado, ele tampouco economiza reprimendas. Por exemplo, a Hayek, por ter caído nas redes da propaganda pinochetista, ou a outros liberais por terem deixado que a palavra liberalismo ficasse em mãos estritamente economicistas. Para citar o mais próximo, de Ortega y Gasset revela grandezas e dúvidas, mas lembra aos espanhóis que se ele tivesse sido inglês ou francês ou alemão hoje aqui lhe estenderiam tapetes para a passagem de sua memória e de seus ensinamentos”.

Vargas Llosa não mais se sente melindrado ao ser chamado de liberal, “pois é isso que ele é”, assegura Juan Cruz que conclui a resenha enfatizando que agora os que insultam o Nobel peruano “por ser liberal têm 311 páginas de explicação do próprio Vargas Llosa sobre as razões que o levaram ao liberalismo”.

Esperemos o livro para saborear o banquete por inteiro…

3 ideias sobre “Um banquete intelectual

  1. Sergio Silvestre

    Me convide pro banquete,vamos falar de coisas intelectuais como a saga do nambuzinho chitão,ou a odisseia da corruíla do descampado

  2. Parreiras Rodrigues

    Obrigado, Ivan! Cê sabe que o leio sempre. Não ligue para o Silvestre. É um Pombo jogando xadrez….

  3. Ivan Schmidt

    Quando o livro sair no Brasil compre-o imediatamente!
    Por enquanto, o acesso aos mestres de Vargas Llosa é possível pela leitura de alguns de seus livros editados no Brasil por editoras universitárias, como o senhor sabe…

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