por Fernando Muniz
Sem fôlego, pede um copo d’água. E mais outro. Enxuga o suor da testa e senta-se junto ao balcão da mercearia. “Tem um telefone aí que eu possa usar?” O gerente desconfia daquele sujeito, que não para de tremer. “Tem sim. Ali”.
“Ninguém atende!” Tenta mais duas vezes e nada. Termina o copo e sai sem agradecer.
Lembra-se do filho, no colo da esposa, com os olhos irritados, sem entender a gritaria dos pais. O apelo dela, “Onde você vai?!”, não o deixa em paz. Dá meia-volta, apesar do impulso de seguir adiante.
Percebe um clarão no céu, a duas quadras de casa. Aperta o passo. A rua está cheia de gente, assistindo à luta dos bombeiros. Alguns o reconhecem: “Ele mora lá! Deixa o homem passar!”
Aproxima-se da ambulância com a respiração suspensa. Querem entrevistá-lo. A luz forte da câmera o atrapalha, parece bicho acuado. Pergunta pela família; a multidão aplaude.
Enxerga a esposa e filho, cobertos de fuligem, tomando oxigênio no batente da ambulância. Um vizinho o consola: “Força, que o pior já passou!”. Cai em desespero. Ela, sempre tão amorosa, deixa-se abraçar, mas não reage ao carinho.
Os bombeiros, embora o esforço não conseguem salvar a casa, que se parte em duas e desaba, envolta por fumaça e fagulhas.
A esposa desperta do torpor. Ele tenta beijar o filho; ela não deixa, como se o protegesse do pai. “Acham que você correu atrás de socorro”.
Ele desvia o olhar.