por Célio Heitor Guimarães
Ele era um dos derradeiros mastodontes do mundo dos quadrinhos. O leitor até pode não estar ligando o nome à pessoa física, mas certamente já se divertiu muito com as criações de Mort Walker, falecido no sábado passado, aos 94 anos, em sua casa, em Stamford, Connecticut, EUA, vítima de pneumonia. Basta acrescentar que Mort, foi o criador, entre outros personagens animados dos gibis, do Recruta Zero, aquela tirinha ilustrada lançada em 1950 que satirizava a vida nos quartéis e o autoritarismo militar e que chegou a atingir 200 milhões de leitores em mais de 1.800 jornais.
Descendente de irlandeses e ingleses, Mort ou Addison Morton Walker nasceu em El Dorado, Kansas, EUA, em 3 de setembro de 1923. O pai era poeta, músico, inventor e pintor; a mãe fazia ilustrações para os jornais. Assim, o pequeno Addison não demorou para revelar o seu talento. “Desde que comecei a respirar, eu sabia que queria ser um cartunista” – afirmava. O fato é que começou a desenhar antes mesmo de aprender a falar. E aos 11 anos de idade conseguiu comercializar o seu primeiro trabalho. Beetle Bailey, o nosso Recruta Zero, surgiu um dia depois de Mort completar 27 anos, em 4 de setembro de 1950.
Mas a caminhada inicial do jovem artista não foi fácil. A princípio, seus cartuns foram rejeitados pelos editores. Em 1942, entrou para o Exército, onde ficou por quase quatro anos, chegando ao posto de tenente. Talvez tenha sido ali que ele colheu inspiração para criar o malandro e indolente recruta, que, no início se chamava Spider e era um preguiçoso estudante universitário. A tira foi acolhida pela distribuidora King Features, com mediana aceitação junto ao público.
Aí, Walker resolveu dar uma reviravolta na vida do herói. Rebatizou-o de Beetle Bailey (Besouro Bailey) e alistou-o no Exército americano. Era época da guerra da Coreia. O público vibrou com a mudança. E a tirinha espalhou-se pelos Estados Unidos. Mas há quem afirme que o personagem foi impulsionado quando o jornal do Exército, Stars & Striper, baniu as histórias de suas páginas, por considerar que elas ridicularizavam os oficiais em geral e o cotidiano dos soldados, servindo de mau exemplo para a juventude.
– Foi uma tempestade em copo de água – comentaria o desenhista. “Apenas revelou que os mandachuvas militares não têm senso de humor”.
De fato, algum tempo depois, Mort Walker acabou sendo homenageado pelas Forças Armadas de Tio Sam, através do gen. Martin Dempsey, líder do Estado-Maior Conjunto dos EUA. Recebeu também a Condecoração Militar, prêmio maior conferido a um civil. E foi laureado no Pentágono pela Assessoria do Exército.
Vale lembrar que, quando acabou a guerra da Coreia, Walker temeu pela perda de popularidade do Recruta. Inventou, então, outra tira, de caráter familiar – Hi and Lois (no Brasil, Zezé & Cia.), em parceria com outro desenhista especial, Dik Browne (futuro criador de Hagar, o Horrível). E também criou uma família para Beetle, fazendo-o voltar para casa. A volta durou duas semanas. Os protestos dos fãs, fizeram o personagem retornar para o Exército.
Outra criação marcante de Mort foi A Arca de Noé, assinada com o seu primeiro nome, Addison, ambientada em um navio cheio de animais engraçados e comandado por um capitão não muito respeitado pelos subordinados nem pela esposa.
No Brasil, Beetle Bailey também chegou nos anos 50, através da Rio-Gráfica e Editora (depois, Editora Globo) e foi logo batizado de Recruta Zero, um soldado raso, folgado e negligente, sempre as voltas com seu superior hierárquico, o sargento Tainha e o mundo do quartel Campo Swampy, comandado pelo gen. Dureza.
Uma das características marcantes do personagem é nunca ter mostrado os olhos. Na faculdade, usava um chapéu que lhe cobria a testa e os olhos; no Exército, é o quepe, o boné ou o capacete. Zero não os tira nem para dormir ou tomar banho.
Mort Walker foi o criador do Museum of Cartoon Art, o primeiro museu do mundo dedicado aos quadrinhos.
A morte do desenhista não interromperá a carreira do Recruta Zero. Os filhos Brian e Greg, que já auxiliavam Walker no seu trabalho desde a década de 1970, continuarão a produzir a tirinha diária.
Sniff…Sniff…