por Juca Kfouri
MÁRIO DE Andrade criou Macunaíma, nosso herói sem nenhum caráter, que era, essencialmente, preguiçoso.
O livro, com o nome do herói, é de 1928, 26 anos depois do primeiro Campeonato Paulista, 22 anos depois do primeiro Campeonato Carioca. Que hoje despertam uma enorme preguiça.
Durante quase 80 anos, os campeonatos estaduais foram os torneios mais importantes do país.
Mesmo depois da criação da Taça Brasil, em 1959, ou do Campeonato Brasileiro, em 1971.
Ser campeão paulista era tão importante que, em 1979, Corinthians, São Paulo e Santos optaram por disputar o estadual e abriram mão do Nacional.O Internacional foi o campeão invicto do Brasileiro e o Corinthians ganhou seu segundo Paulista, depois de ter quebrado o jejum de 1977.
Acredite: nem mesmo a Libertadores era tão ambicionada como o Campeonato Paulista, cuja importância era tamanha que não precisava de subterfúgios, aumentativos, artificialismos para ter seu espaço.
Não era Paulistão, porque não necessitava.
Foi o bi do São Paulo, 1992/93, que acendeu o desejo dos rivais paulistas pela Libertadores.
Nesta coluna o certame é tratado no diminutivo: Paulistinha.
Daí o colunista ser frequentemente provocado por seus patrões, os leitores: “Se você deprecia tanto o campeonato por que fala dele, escreve sobre ele?”, perguntam sem pensar na pergunta.
Alguns vão ainda mais fundo: “Como é que alguém que diz que o título mais importante da história do Corinthians é o do Estadual de 1977, desdenha da competição?”.
A estranheza parece fazer sentido, mas não faz.
Jornalista não briga com os fatos e o fato que temos penosamente pela frente é o Paulistinha.
Porque o Corinthians só estreia na Libertadores no dia 28 de fevereiro e Palmeiras e Santos apenas no dia 1º de março.
Ou seja, nas cinco próximas semanas, o cardápio é o Paulistinha, com um clássico aqui, outro ali, para dar uma animada.
Há uma campanha no SporTV, de resto obrigatória, que indaga o que seria se não houvesse os Estaduais.
Não por acaso, as imagens são do Fla-Flu, do Gre-Nal, de Cruzeiro e Galo, Corinthians e Palmeiras, enfim, dos clássicos.
Que são disputados no Brasileirão com o mesmo sabor e mais folga se o campeonato não fosse espremido exatamente pela existência dos Estaduais e seus inexpressivos jogos Linense x Santos, Red Bull x Palmeiras, Mirassol x São Paulo ou Novorizontino x Corinthians.
Não seria melhor ver Cruzeiro x Santos, Grêmio x Palmeiras, Bahia x São Paulo, Flamengo x Corinthians?
“Ah, seu elitista filho de uma égua, e os times do interior?”, retrucam os mais agressivos, substituindo a égua você sabe por quem.
Pois teriam vida muito melhor se jogassem o Estadual durante o ano todo, não apenas até o começo de abril, com uma campanha, aí sim convincente, que estimulasse a rivalidade entre Campinas e Limeira, Ribeirão Preto e Araraquara, Taubaté e São José dos Campos.
Porque o Paulistinha ficou tão pequeno que nem os jogos dos clubes grandes lotam os estádios do interior.
Além do mais, elitismo algum: cerca de 90% da massa torcedora se concentra nos 13 clubes mais populares do Brasil.
*Publicado na Folha de S.Paulo