9:38Projeto no PR quer retirar proteção de área de 400 milhões de anos

Da Folha de S.Paulo, em reportagem de Amanda Audi

Um projeto de lei propõe reduzir em 70% a área de preservação ambiental (APA) da escarpa devoniana, uma formação geológica do Paraná de mais de 400 milhões de anos e com características únicas no mundo.

A escarpa, que percorre 260 quilômetros de norte a sul do Estado, é um enorme paredão rochoso, que fazia parte do litoral durante o período devoniano (de 359 milhões a 416 milhões de anos atrás).

A área que ficará desprotegida, caso o texto seja aprovado, equivale a seis vezes a cidade de Curitiba.

De acordo com o professor de geologia da Universidade Federal do Paraná Renato Eugênio de Lima, a formação é comparável à Chapada Diamantina, na Bahia –apesar de serem diferentes visualmente–, por causa do tipo de rocha (arenito) e pela presença de cânions, cachoeiras, furnas e mata nativa.

Boa parte da área da escarpa se concentra na região dos Campos Gerais, uma das maiores produtoras de soja e leite do país, com forte presença agropecuária.

A iniciativa de reduzir o perímetro protegido é de deputados da base do governador Beto Richa (PSDB), incluindo o presidente da Assembleia, Ademar Traiano (PSDB). Outro deles, Plauto Miró (DEM), é sócio de terras na região de Ponta Grossa (114 km de Curitiba), um dos municípios por onde passa a escarpa. Miró nega interesse pessoal na redução.

“A proposta é baseada em um estudo feito pela Fundação ABC, entidade ligada ao agronegócio e formada por cooperativas agrícolas instaladas na região, como a Frisia (antiga Batavo) e a Capal.

O estudo foi pago por essas empresas” e pela Federação da Agricultura do Paraná à pedido do IAP (Instituto Ambiental do Paraná), órgão do governo estadual.

Em nota, a Fundação ABC afirmou que se considera isenta para fazer o levantamento e que utilizou métodos científicos para tanto. “O conhecimento científico é mais um instrumento para auxiliar os gestores nos processos de tomada de decisão e geração de políticas públicas”, diz o texto. “A Fundação ABC não faz política, apenas ciência.”

O IAP solicitou o uso desse estudo no início de 2016. Segundo o órgão, outras pesquisas seriam encomendadas para comparar ou contestar os dados das empresas de agronegócio. Mas isso não aconteceu até agora.

O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e está na Comissão de Meio Ambiente. Dos 54 deputados da casa, só seis deles não são alinhados a Richa.

Segundo o líder do governo, Luiz Cláudio Romanelli (PSB), o projeto é uma resposta ao pedido de tombamento de uma parte da área de proteção. “Era inapropriado, 252 mil dos 392 mil hectares. Um despropósito completo. Não se pode congelar uma lavoura de soja, milho, cereais”, diz.

A redefinição do perímetro da área estava prevista desde 2004, quando foi feito o plano de manejo.

DANOS AMBIENTAIS

A área de proteção nas escarpas foi criada em 1992 no governo de Roberto Requião (PMDB). Levantamento da Universidade Federal de Ponta Grossa aponta que, apesar disso, a área de mata nativa no Estado passou de 61% em 1992 para 32% em 2017.

O Paraná foi o Estado que mais desmatou mata atlântica nos últimos 30 anos, segundo a SOS Mata Atlântica. Hoje, estima-se haver menos de 0,8% da cobertura original de araucárias, árvore símbolo do Paraná, que já ocupou 40% do Estado.

Por isso, pesquisadores e ambientalistas criticam a nova medida, afirmando que a redução da proteção resultará em danos ambientais irreversíveis. Há o risco de contaminação de reservatório de água que abastece cidades da região e extinção de espécies de animais e plantas. Sítios arqueológicos, cavernas inexploradas e registros históricos também podem ser perdidos.

Para o governo do Estado, a mudança regularizaria a situação de produtores rurais já instalados na região. Sem a restrição, outros produtores poderão se alocar no local.

No início de agosto, após a pressão de entidades civis, o governo montou um grupo de trabalho para analisar o projeto de lei. Um parecer, ainda não concluído, deve ser enviado aos deputados.

 

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