20:54ZÉ DA SILVA

A cena foi linda, tocante. O mais cerebral escriba não conseguiria pensar algo parecido. A mãe, que alimentava o filho com Leite Moça quando ele era bebê, um dia olhou para ele, no corredor que havia ao lado da casa, e o guri, já calça curta, camisa e suspensórios, estava diferente, paradinho, encostado na parede. Mãozinhas pra trás, perninhas entrelaçadas, topete de bode ornando o cabeção, ele olhou para ela com cara de quem tinha aprontado alguma. Se o pai carregava dois olhos azuis cristalinos, aquele menino de lábios finos, que lhe valeram mais tarde o apelido de “boca de carteira”, iluminava ambientes com dois círculos de uma mar verde. A mãe não perguntou o que ele tinha aprontado, mesmo porque sabia que o filho, tímido para muitas coisas, portador de um medo de tudo que carregou até a fase adulta, não iria revelar. Ela, que não sorria muito, chegou perto, passou a mão no rosto dele e disse como se fosse a coisa mais séria do mundo: “Mas você tem uma cara de puta santa…” Ele jamais esqueceu – e continua do mesmo jeito.

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