por Fernando Muniz
O terreiro transpira paz e alegria.Os santos e outras imagens em seus lugares, atabaques em ordem, a cadeira do pai-de-santo em seu devido lugar, as cadeiras dos visitantes e iniciados colocadas em círculo, o chão varrido mais de uma vez.
Resmas de jasmins em vasos de cerâmica exalam um cheiro que eleva o espírito de todos, que entoam cantos antigos.
De repente, a porta da frente passa a ser golpeada. Gritos lá fora; alguns tiros. Dali a alguns minutos é arrombada.
“Que merda é essa, mãezinha?” – um rapaz novo, sem camisa e com tatuagens de quem passou tempo na penitenciária, grita com a equede que coordena as atividades naquela hora. “Onde está o chefão?”
“O senhor quer dizer o babalorixá?”, ela tenta de fato saber, um tanto amedrontada. “É isso mesmo, aquele preto-velho filho de uma puta!”. A linguagem do rapaz causa comoção nas simpatizantes, que saem rápido em busca de ajuda.
Três outros rapazes juntam-se ao primeiro, também sem camisa, também tatuados. Todos com revólveres à mostra, embainhados na cintura.
Ela reconhece um deles, neto de uma prima. Esboça um sorriso de reconhecimento, que ele, ao perceber, devolve com um olhar feroz e um discurso, decerto, decorado na prisão.
“Tá na hora de acabar com essa palhaçada do diabo aqui. Recolhe tudo agora, senão vamos zoar com aqui tudo”.
“Mas hoje é um dia importante… é festa de Erê…”, a equede tenta convencer o seu parente distante, ao lembrá-lo lembrar da festa das crianças, tão bonita, que por certo ele já brincou alguma vez.
O que entrou primeiro, com ascendência sobre os demais, corta a intenção da senhora.
“Olha só, mulher, não queremos papo não. Essa porra aqui lacrou. Pode quebrar essas imagens aí. Começa agora, caralho!”.
Dá um tapa de mão cheia nela, que cai sobre os vasos de jasmim.
“Em nome de Jesus, porra!”.