por Fernando Muniz
A porta da cozinha leva um tranco; as crianças se assustam. Ela corre para ver quem é.
Ele toma um susto ao vê-la, de olhos esbugalhados e pés no chão, junto à geladeira. Ela, por sua vez, reage ao susto dele assustando-se também. Gritam juntos e as crianças começam a chorar. Ele faz que vai acudi-las, mas ela o impede, ríspida.
“É o papai, queridos, é o papai que chegou”. Espera que se acalmem para voltar à cozinha. Ao retornar, não o encontra. Segue para o quarto e o vê procurando o pijama. Dá dois beliscões e o expulsa do lugar.
“Sofá!”.
Ele, resignado, pega as trouxas e caça o rumo da sala. Seguido por ela, atrás dele para checar se fumou, bebeu, perdeu tudo no baralho ou com as amigas, como de costume.
“Fiz hora extra e não alcancei a última condução. Consegui carona só até o terminal”. Olha humilde para o tapete, surrado, enquanto mexe nos bolsos. “Ó. É o adiantamento da primeira semana. Tudo aí. Como te prometi. Só tirei o do táxi”.
Ela pega o dinheiro, incrédula. Vai para o quarto. Conta as notas. Tudo ali. Parece que nada de putas, cachaça ou jogatina.
Espera a luz da sala se apagar, fecha a porta e passa a tranca. Pega uma daquelas revistas de mulher feliz, moderna; folheia sem prestar atenção.
Pensa nas crianças, que se acalmaram ao saber que o pai está em casa. Joga a revista num canto e apanha a foto deles no dia do casamento, caída atrás do criado-mudo, em um porta-retratos todo rachado.
Sente um ar de setembro entrar pela janela, suave, sereno. Solta um “dança bem, o bandido”, enquanto apaga a luz e devolve a foto para o seu buraco.
E dorme tranquila.