por Célio Heitor Guimarães
Em meados de janeiro de 2011, escrevi um texto para o extinto O Estado do Paraná denominado “Velai também por nós, Reverendo Beto!”, no qual manifestava a minha apreensão com a “nau Paraná”. Disse que o jovem comandante, Carlos Alberto Richa, parecia ter tomado o barco errado. Mais: que escolhera mal a sua tripulação e que, de repente, de capitão virara capelão. Poderia, até, ser chamado de Frei Beto, não estivesse o nome já ocupado por um companheiro de outro velho marujo, Lula da Silva, de outra frota. É que o pequeno Richa dera uma de pastor missionário, compreensivo com suas ovelhas e piedoso com os pecadores. E essa conversão (ou revelação) nos causava um arrepio na espinha.
Isto porque, ao tentar justificar a escolha de algumas figuras polêmicas (para dizer o mínimo) para cargos de relevância da administração estadual, o governador recorrera à Bíblia e proclamara que era preciso perdoar o pecador, não o pecado. Entendi que se tratava de uma bela (e ingênua) interpretação dos textos sagrados, que, no céu, tirou do sossego o velho José, seu saudoso pai, que saíra à procura de São Pedro para conferir se havia pecado sem pecador.
Justifiquei que, ao retirar do ostracismo o urbanista Cássio Taniguchi e o arquiteto Lubomir Ficinski, da velha tropa de choque de Jaime Lerner; entregar as Relações com Investidores da Sanepar ao sr. Ezequias Moreira Rodrigues, que respondia a dois processos abertos pelo Ministério Público – um por peculato e outro por improbidade administrativa; e conferir a direção de Relações Institucionais e Comunitárias da Companhia de Habitação do Paraná, Cohapar, ao advogado Nelson Cordeiro Justus, filho do então presidente da Assembleia Legislativa do Estado e um dos cultores dos diários secretos do legislativo paranaense, e também investigado pelo MP por improbidade administrativa, como presidente de uma tal bolsa de licitações e leilões, com atuação em prefeituras municipais do interior… Pois ao tomar tais iniciativas, entre outras, o menino Beto colocara em suspeição boa parte de seu governo logo depois de desatracar do porto.
Para o jovem Carlos Alberto, bastava que o pecador reconhecesse que pecou e se arrependesse do pecado ou que este tivesse sido cometido antes do novo capitão ter assumido o leme da embarcação. Pecados anteriores não contavam. Tal qual um de seus mentores, o inesquecível Jaime Lerner, Beto achava que antes dele nada existira. Ou o que existiu não contava. E era aí que morava o perigo. A condução da “nau Paraná” iria nos obrigar a uma atenção especial. A despeito de o governador afirmar que seria intransigente com a corrupção, os furos do casco poderiam aumentar e irmos todos ao fundo. Até porque, mesmo que viesse a combater a corrupção, a atual teologia do perdão de sua excelência poderia levá-lo a punir os eventuais pecadores apenas com a oração de dois pais-nossos e duas ave-marias.
Aquele texto interrompeu treze anos de harmoniosa convivência do colunista com o Grupo Paulo Pimentel, durante os quais nunca houvera qualquer interferência. Naquela ocasião, a empresa consultou-me sobre a possibilidade de fazer alguns “ajustes” no escrito. Preferi que o texto não fosse publicado e encerrei ali a minha colaboração com o jornal.
Desde então, ao longo do caminho, outros “pecadores” embarcaram na “nau Paraná”, acolhidos com piedade pelo “frei” Beto das araucárias”. Revelou-se a chamada Operação Voldemort, estrelada pelo primo meio distante Luiz Abi Antoun, frequentador contumaz da cabine de comando da embarcação; a Operação Publicano, expondo ao público Marcio de Albuquerque Lima, chefe da Receita Estadual de Londrina e co-piloto de corridas de Betinho; mais Paulo Roberto Midauar; e a Operação Quadro Negro, na qual ganhou destaque Maurício Fanini, companheiro de viagens internacionais do comandante. Fanini era diretor da Sude – Superintendência de Desenvolvimento Educacional, braço da Secretaria Estadual da Educação, e já estivera na Fundepar, da qual se valeu para causar um rombo de mais de R$ 20 milhões. O dinheiro era destinado à reforma e construção de escolas públicas, que mal saíram dos alicerces. No entanto, foram devidamente pagas à Construtora Valor e agora incomodam o Palácio Iguaçu. O “navegante” Fanini encontra-se recolhido ao xadrez desde sábado 16, e o empreiteiro Eduardo Lopes de Souza, da Valor, garante, em delação premiada, haver pago a intermediário do capitão R$ 12 milhões de propina.
Enquanto isso, a “Nau Paraná” boia ao sabor do vento, sem porto seguro para atracar. Havia o de Paranaguá, mas ali as águas também se tornaram revoltas depois da revelação de outros mal feitos envolvendo gente graduada de bordo, inclusive o próprio comandante.
Com tamanha variedade de pecados, não há penitência que absolva os pecadores. O capitão Carlos Alberto há muito perdeu o rumo da embarcação. Agora, está na hora do reverendo Beto perder a batina.
Quebrou dentro, como diz o carreteiro. Quebrar dentro é quando o parafuso quebra dentro da rosca. Outra expressão: é phodha!