Do jornal O Estado de São Paulo, por Antonio Gonçalves Filho
Grande nome do jornalismo literário, Lillian Ross morre aos 99 anos nos EUA
Uma das pioneiras do jornalismo literário, famosa por seu trabalho na revista The New Yorker, Lillian Ross morreu, aos 99 anos, em Nova York, nos EUA. A informação é do New York Times.
A causa da morte, segundo a sua antiga editora, Susan Morrison, foi um acidente vascular cerebral. Ela estava no Lenox Hill Hospital, na ilha de Manhattan. A jornalista tinha um filho adotado, Erik.
A morte de Lillian Ross deixa o jornalismo literário sem a “mosca na parede” que, invisível aos olhos dos outros, a tudo observa – e por vezes interage de modo um tanto desagradável com quem está no ambiente. Essa “mosca azul” do jornalismo literário, hoje estudada nas faculdades e cultuada entre os leitores, foi um personagem raro na redação da revista The New Yorker, onde começou a trabalhar em 1945. Anos difíceis. A guerra chegava ao fim e nenhuma
Sua colega de redação, Rebecca Mead, lembra dela como uma observadora implacável, embora terna e frequentemente divertida, que se tornou referência para todos os demais jornalistas da revista – tornando-se mesmo um modelo a que aspiravam os redatores. De fato, muitos jornalistas, entre eles Tom Wolfe, seguiram seu caminho, mas as observações de Lillian Ross eram únicas. Não estava preocupada em inventar adjetivos fáceis como “radical chique” para reduzir gente como Leonard Bernstein ao estereótipo de militante idiota da causa antirracista só por ter promovido uma festa em que os panteras negras estavam presentes – foi por ele que Wolfe cunhou o termo.
Você não lembra de Lilian Ross por causa de um adjetivo. O substantivo era o seu negócio. Leia, para comprovar, o perfil que ela escreveu de Ernest Hemingway ou a série de cinco artigos para a New Yorker sobre o filme A Glória de um Covarde (The Red Badge of Courage) de John Huston, que virou o livro Filme, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Ele não tinha o vício do ‘new journalism’ por ser autêntica, por amar as pessoas (especialmente as crianças) e não se importar como seus artigos (ou sua vida privada) seriam recebidos por seus leitores. Ela passou anos de sua existência como amante do segundo editor da New Yorker, William Shawn, que era casado e adotou um filho, Erik, quando já era uma senhora de 40 anos. Essa história é contada em Here but Not Here: A Love Story, que resume os 50 anos desse relacionamento.
Pessoas como ela, que ingressam no jornalismo para conhecer melhor os outros e a si mesmas, não podem mesmo ouvir histórias reais e transformá-las em má ficção literária. Ela fazia, sim, literatura, mas mantinha fidelidade aos fatos. Quando aceitou a tarefa de acompanhar as filmagens da A Glória de um Covarde, por exemplo, pensava apenas na possibilidade de traçar um perfil do diretor John Huston, mas viu que a realidade, por vezes, é mais alucinante que a ficção, ao testemunhar as reuniões que o cineasta tinha com o poderoso L. B. Mayer, chefão da Metro. E escreveu os cinco artigos que compõemFilme, seu primeiro trabalho jornalístico produzido em forma de ficção – isso em 1951. Vale lembrar que Truman Capote, 15 anos depois, usou a fórmula para escrever A Sangue Frio.
Quando Filme foi publicado no Brasil, em 2005, Lillian Ross, lembrou de Capote, mas foi muito discreta em relação a outros seguidores do ‘new journalism’, como Gay Talese. Indiretamente, mandou uma mensagem para os estudantes de jornalismo que procuravam seguir seu modelo. Na época, ela ensinava um ‘chef’ de cozinha com ambições literárias a escrever. Sem muito sucesso. Ela dizia que era possível transmitir a essência da atividade, mas não podia ensinar ninguém a ser sensível aos problemas alheios, capacidade de empatia e imparcialidade. Se vale uma recomendação de Lillian Ross, que esteve na Flip em 2006, é o seu prefácio do seu livro Reporting (1964): “Sua atenção deve estar o tempo todo voltada para o assunto, não em você. Não chame a atenção, nunca.”
Em Reporting Back, de 2002, o segundo a usar a palavra reportagem no título, Lillian Ross, nascida Lillian Rossovsky, em junho de 1918, filha de imigrantes russos, define, afinal, o que é ser um bom repórter: é dançar como Fred Astaire sem deixar que o público perceba como são difíceis os seus passos.