Laurinha e a sinceridade inocente, brutal das crianças: “Vô, você tem umas coisinhas pretas no nariz?” O avô, que só olha o nariz ao fazer a barba – portanto não olha o nariz –, foi ao espelho, lupa na mão. Eram cravos, gordura dos poros, que com o tempo fica escura, a “coisinha preta”. Solução, limpeza de pele, sugeriu a mulher (só agora, anos sem olhar para o nariz do marido).
Limpeza de pele, trabalho especializado: o cliente deita na maca, a esteticista despeja-lhe camadas sucessivas de cremes limpantes, desengordurantes, esfoliantes, melecas de cheiros estranhos. Mais dez minutos sob vapor para dilatar os poros e vinte na tortura da pistola de pressão que dispara e aspira os cravos. Rosto limpo, inchado e vermelho como tomate.
Uma vez e nunca mais. Nem Laurinha comanda o repeteco, o nariz que morra carijó. Não fossem os tiros da pistola, o avô ainda sofreu com o bafo da esteticista, a inevitável mescla de alho e cebola disseminada nos bufês a quilo. Na saída, estacionamento do salão, o pneu arriado – bala perdida da pistola anticravos? (Rogério Distéfano)