7:32Revolução de Outubro, 100 anos

Por Ivan Schmidt

O mercado editorial brasileiro já providenciou a tradução e publicação de vários livros sobre os 100 anos da Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, que pôs fim a séculos de regime imperial inaugurando a chamada ditadura do proletariado implantada pelo movimento bolchevista liderado por Lenin e Trotski, entre outros. Como tenho feito, na penúltima semana de cada mês, meu espaço no blog do Zé Beto é dedicado a uma reflexão histórica sobre o golpe que destronou a dinastia dos Romanov.

Com a ascensão de Josef Stalin, a custa de muita intriga política e mesmo do extermínio moral ou físico de seus oponentes, Lev Davidovich Bronstein que mais tarde adotou o nome revolucionário de Leon Trotski, foi simplesmente banido do território soviético até encontrar abrigo diplomático no México, então governado por Lázaro Cárdenas, que olhava o comunismo com certa simpatia.

Trostki e sua mulher Natalia Sedova e depois de algum tempo, seu neto Seva, filho da filha primogênita primeiramente moraram numa casa em parte cedida pelo muralista Diego Rivera, casado com Frida Khalo, num bairro da Cidade do México (Coyoácan). Mais tarde a família mudou-se para outra casa na avenida Viena, a qual foi transformada em verdadeira fortaleza.

Curiosamente no dia 20 de agosto de 1940, portanto há 77 anos, depois da sesta habitual de todos os dias, Trotski recebeu em seu gabinete de trabalho um agente comercial que dizia ter nacionalidade belga e que conquistara a confiança da guarda pessoal do exilado, até pelo fato de namorar uma das secretárias ocasionais de Trotski, Sylvia Ageloff.

O nome do homem era Jacson, e segundo o relato histórico não desfrutava da inteira confiança de Leon e Natalia, que desconfiavam inclusive de seu sotaque. Alfred e Marguerite Rosmer, um casal íntimo de Leon e a mulher, também faziam restrições ao estranho personagem que passou a frequentar a fortaleza, mesmo sem maior aproximação com o dono da casa, a quem via esporadicamente dando ração aos coelhos que criava.

Rosmer e a mulher declararam depois que Jacson jamais revelara o nome do comerciante rico e desonesto para quem supostamente trabalhava, nem o setor comercial ao qual se dedicava.

Na verdade, por trás desse agente secreto da polícia política de Stalin, especificamente treinado para a tarefa – o assassinato de Trotski – escondia-se o espanhol Ramon Mercader, filho de uma militante comunista da Guerra Civil espanhola.

Na tarde de 20 de agosto de 1940, Jacson foi “admitido como um camarada de confiança”, segundo escreveu Robert Service na obra Trotski uma biografia (Record, RJ, 2017), despertando a atenção de Natalia que lhe perguntou porque estava vestindo uma capa de gabardine numa tarde de verão. O visitante explicou que nessa época do ano a região em torno da Cidade do México era suscetível de fortes temporais e que estaria protegido caso desabasse uma chuvarada.

“O que ninguém sabia”, escreveu Service, “era que ele carregava uma picareta de alpinista e um punhal comprido no bolso. Havia serrado o cabo da picareta para torná-la menos detectável. Sua intenção era praticar o crime sem fazer barulho, no escritório de Trotski, e sair depressa, antes que o apanhassem. Se usasse uma arma de fogo, o barulho seria ouvido e ele seria capturado: era possível que um guarda lhe desse um tiro”.

Service e também outros autores, com pequena variação entre um e outro, concordam com a falha brutal da segurança de Trotski. A biografia em questão acrescenta que “sozinho com Trotski, aproveitaria a primeira oportunidade, com a picareta e o punhal, para cometer o crime. Era um homem forte e saudável, bem treinado e de cabeça fria. Tinha um compromisso com a causa do Komintern. E vinha mantendo contato com oficiais dos órgãos de segurança soviéticos, sob o comando de Natan Eitingon, em solo mexicano. Era chegada a hora de desferir o golpe decisivo”.

O pretexto do encontro reservado de Mercader com o exilado era a leitura de um artigo sobre estatísticas econômicas francesas do qual Trotski não gostou e disse logo, muito a vontade na cadeira. Isso permitiu ao agente do Komintern rodear a mesa e postar-se atrás do antigo líder revolucionário sem a menor reação contrária, em mais um descuido inexplicável.

Service descreve o desfecho: “A picareta era a melhor das duas armas para usar por trás de Trotski. Com um movimento ágil, Jacson cravou-a no alto do crânio dele. Foi um golpe violento, mas não prontamente fatal, provavelmente pelo impacto ter sido causado pela parte mais larga da ferramenta”.

Mesmo ferido seriamente Trotski agarrou o agressor e ambos rolaram pelo chão da sala. Em desespero Trotski afundou os dentes numa das mãos de Jacson, gritando por socorro. Os guardas acederam rapidamente e agarraram Jacson que logo foi conduzido a uma delegacia, ao passo que o famoso oponente de Stalin foi levado ao hospital.

Atendido por uma equipe de renomados cirurgiões da Cidade do México, que lhe fizeram uma trepanação craniana, o velho não resistiu à violenta penetração de oito centímetros.

No dia seguinte estava morto e a notícia correu o mundo. O Kremlin ordenou que o jornal Pravda se limitasse a informar que morrera “um espião internacional”, confirmando a verdade de que toda revolução acaba devorando os seus filhos.

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