Rogério Distéfano
DO UT DES
O dia de hoje na história do Brasil, o dia em que a câmara dos deputados decide se abre o processo contra o presidente Michel Temer. Aceitem minhas desculpas por (1) escrever câmara dos deputados em minúsculas: acho que não preciso explicar o motivo; e (2) não escrever, como virou hábito, que a decisão será “se abre ou não o processo”: o ‘se’ basta para a ideia de abrir e a ideia de não abrir. Questões de lana caprina, como reza o latinório.
O dia de hoje entra na história do Brasil por um motivo diferente daquele que você imagina. Continuo a pedir desculpas por escrever história do Brasil e não História do Brasil. Nossas efemérides nacionais são minúsculas e nem o tempo, que sacraliza o banal, consegue fazer delas eventos maiores. Este dia e evento seriam históricos na insignificante medida do golpe ao avesso, diferente do golpe que destituiu Dilma. Um golpe para manter o presidente.
O dia de hoje não fará diferença na História do Brasil, seja qual for o gosto e o rigor do leitor. O Brasil não vibrará num vertiginoso orgasmo cívico, a nacionalidade vivendo a exaltação de seus valores. Isso absolutamente não acontecerá no dia de hoje. O dia de hoje não ficará na História (‘h’ maiúsculo) como o marco do resgate da moralidade pública. Não por acaso a novela de sucesso no momento retrata as proclividades sexuais de Pedro I.
O dia de hoje é apenas outro qualquer de nossa minúscula história. Seja qual for seu desfecho, mais voltado ao comércio que ao civismo. Ao comércio, naquilo que o comércio tem de essencial: a entrega da mercadoria contra a entrega de seu equivalente econômico, o dinheiro. O comércio, assim ele e a vida onde se integra, tem sua ética. O vendedor deve entregar o que prometeu e o comprador, pagar o preço da mercadoria.
O dia de hoje será um evento comercial. Será posto em prática o ‘do ut des’ do direito romano. Dou para que dês, o contrato cumpre-se pela entrega da mercadoria contra o pagamento do preço posto pelo vendedor. Hoje na câmara dos deputados, em visível ato de comércio, o vendedor irá revelar sua honestidade se entregar ao presidente da República a mercadoria que este em parte já pagou. O problema está em um vender o que não é seu e o outro pagar com o dinheiro alheio.