O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para quarta (21) o julgamento de uma ação que, em última instância, decidirá se os cigarros com sabor devem ser banidos, como decidiu a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2012, ou liberados, como quer a indústria do tabaco.
Para quem não está familiarizado com o assunto, uma síntese. Em 2013, começaria a valer uma resolução da Anvisa que proibiu o uso dos aditivos nos cigarros. São produtos acrescentados ao fumo que dão sabor e aroma ao cigarro e que servem para mascarar o gosto do fumo ou dar uma “anestesiada” na garganta (como o mentol).
Ocorre que, antes mesmo de a resolução entrar em vigor, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) obteve liminar suspendendo a medida sob alegação de que a Anvisa “extrapolou suas competências, usurpando-as do Congresso Nacional, ao banir os aditivos sem a demonstração de risco imediato e urgente”.
Ano passado, a Abifumo (que representa a indústria do tabaco) também argumentou que a resolução poderia inviabilizar a venda de qualquer tipo de cigarro e que poderia estimular o mercado ilegal.
O fato é que, enquanto o país espera uma definição da Corte, o número de marcas de cigarros com sabor no país cresceu 1.900% entre 2012 e 2016.
Em 2012 e 2013, anos em que a Anvisa abriu consulta pública e que passaria a valer a proibição do uso de aditivos nos cigarros, os registros desses produtos despencaram para quatro e cinco respectivamente –ante uma média anual anterior de 50. Com a liminar em favor da indústria, houve mais 234 registros entre 2014 e 2016.
Para a Anvisa e a vasta maioria dos especialistas que pesquisam sobre os males do tabaco, os cigarros aditivados ajudam a atrair os adolescentes para o tabagismo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) também já alertou sobre os perigos dos aditivos e recomendou sua proibição definitiva.
Estudo divulgado ano passado mostra que quase um quinto (18,5%) dos estudantes brasileiros de 12 a 17 anos já experimentou cigarro.
Um novo relatório da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health (JHSPH) revelou que os cigarros com sabor estão sendo vendidos a menos de 250 metros de escolas de cinco países na América Latina. Mais de 74% dos cigarros com sabor observados na pesquisa tinham sabor de menta e mentol. Outros sabores incluíram cereja, daiquiri, mojito, frutas, álcool e especiarias.
No Rio de Janeiro, por exemplo, foram observadas 86 áreas escolares e identificados 205 pontos de venda de cigarros dentro de um raio de 175 metros das escolas. Cigarros mentolados e de outros sabores foram identificados em 80% dos locais pesquisados.
Nesses locais, os produtos estavam exibidos 99,4% das vezes e em 52,4% delas foi observado também publicidade de cigarros mentolados e outros sabores. Em 45,7% dos locais a propaganda e o produto exibido podiam ser vistos de fora do estabelecimento.
“Esta questão dos aditivos é ainda mais crítica quando se sabe que 90% dos fumantes começam a fumar até os 19 anos, e 55% dos jovens preferem cigarros saborizados, afirma Mônica Andreis, vice-diretora da ACT Promoção da Saúde.
A organização lançou a campanha online #SaborQueMata, que apresenta um hotsite e uma petição online, para que os ministros do STF julguem e proíbam os aditivos.
Sobre a polêmica envolvendo os cigarros com sabor, o médico Drauzio Varella escreveu: “O objetivo claro da indústria é tornar o cigarro mais viciante e palatável ao público infantil. Essa trama perversa ajuda a explicar por que tantas meninas e meninos se tornam dependentes de nicotina, algumas vezes aos 10 ou 11 anos. Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o tabagismo como doença pediátrica. […] Que motivos nos levam a permitir a perpetuação dessa estratégia criminosa?
Aproveito a deixa para mais uma provocação: quantas crianças a mais se tornarão dependentes da nicotina enquanto segue liberada a venda dos cigarros com sabor?
*Publicado na Folha de S.Paulo