Reverenciei a araucária, fiz o sinal da cruz, abri, fechei o portão – e quando me virei a coronhada do fuzil quase dilacera meu maxilar. Desmaei. O som do carro que ouvi, quando recuperei os sentidos, era suave. Uma brisa fria entrava por uma das janelas. Estava estendido no piso e dois pés repousavam sobre a lateral do meu dorso. Ninguém falava. O rádio estava ligado, mas em volume baixo. Ouvi trechos de músicas instrumentais. Não ousei perguntar nada. Perdi a noção do tempo. Pensei no que poderia ter resultado naquele sequestro. Nada. Nunca fui ligado a partidos políticos, nunca destratei ninguém, nunca me envolvi com mulheres casadas, etc. Talvez aquilo fosse um engano. Ouvi então alguém falar: “De que jeito vamos acabar com este? Tiro ou faca? Vamos torturá-lo antes?” Não senti pânico. Estranhei a própria frieza. Pararam o carro muito tempo depois. Me tiraram do carro, mandaram eu ajoelhar e, aí, tiraram o capuz. Minhas mãos estavam soltas. Diante de mim, uma paisagem linda, de campos, flores e com montanhas ao fundo. Fiquei admirado e esperando o fim. Pediram para eu ficar olhando. Não tinha alternativa. Então, depois de um tempo, alguém me falou: “A vida não é bela?”. Então, ouvi o carro sendo ligado e partir. Olhei em volta. Ninguém. Estava sozinho em algum lugar desconhecido, mas nunca me senti tão feliz.