por Leão Serva
Chamado “Minha Casa, Minha Vida, Meu Fim de Mundo” pelo arquiteto Jaime Lerner, o programa habitacional que foi vitrine das administrações Lula e Dilma poderá ser alvejado de morte por um estudo minucioso a ser divulgado em julho: “Quanto Custa Morar Longe” é o nome dado pelo Instituto Escolhas, ligado ao Insper, para o levantamento que está computando todos os custos diretos e indiretos das moradias, para governos e moradores.
Os primeiros números comprovam o que os críticos vêm dizendo há anos, mas que a sanha eleitoreira impediu os administradores de ouvir: os governos ditos de esquerda, a partir de 2009, geraram um programa habitacional que agravou os defeitos dos conjuntos populares da ditadura militar. Ao priorizar as metas de número de unidades habitacionais em curto prazo, o poder público reduziu o custo das unidades a um valor que só é possível atingir construindo em locais distantes dos centros urbanos.
Em outras palavras, o país empenhou os maiores investimentos em habitação popular das últimas décadas para aumentar o apartheid social e deixar para as décadas futuras custos imensos, tanto para os governos quanto para moradores, seus filhos e netos.
Isso vale para São Paulo, onde só dá para fazer MCMV na extrema periferia, como também para pequenas cidades do resto do país. Se uma árvore se conhece pelo fruto, a característica comum de todos os empreendimentos é agravar a segregação dos moradores de baixa renda, levando-os para longe das cidades, em conjuntos habitacionais homogêneos.
Minha Casa Minha Vida produz Cidades Tiradentes em todo o país: em áreas onde não há emprego, os trabalhadores têm que fazer diariamente longos deslocamentos para ir trabalhar. O bairro da zona leste de São Paulo tem 33 anos e até hoje esse defeito estrutural não foi resolvido, nem será tão logo, forçando gerações de moradores a sofrerem o suplício de um deslocamento correspondente a meia jornada formal de trabalho, todos os dias.
Além do tempo de viagem e da falta de emprego, a opção por terrenos baratos resulta em áreas onde não há infraestrutura: sem hospitais, sem escolas, sem saneamento básico, arruamento e transportes públicos. A casa, financiada pelo Ministério das Cidades, fica dentro do orçamento previsto. Mas em seguida começa a demanda para os órgãos de Educação, Saúde, esgotos, ônibus, segurança…
Em 2013, um estudo feito pela Secretaria Municipal de Habitação para meu livro “Como Viver em São Paulo Sem Carro” revelou a perversidade dos números. Quando foram construídas nos anos 1980, as unidades habitacionais de Cidade Tiradentes custaram cerca de R$ 80 mil (em valor de 2012), enquanto um apartamento idêntico na região da Avenida Paulista teria custado R$ 135 mil. A diferença é o custo do terreno.Não é só isso: o comércio e os serviços privados também demoram a se instalar. Em Cidade Tiradentes, a primeira agência bancária foi aberta depois de 20 anos.
Nos anos posteriores, a cidade de São Paulo teve que construir na região dois hospitais e vários postos de saúde, dois CEUs e outras unidades educacionais, um terminal de ônibus e infraestrutura viária, além de um contínuo subsídio ao transporte público para o deslocamento diário dos trabalhadores. Em 2012, somando todos os investimentos feitos em 28 anos, dividindo pelo número de casas, o custo de uma unidade em Cidade Tiradentes subiu para R$ 145 mil. Era melhor ter construído os conjuntos ao lado do MASP.
Alguém dirá: mas não existe terreno na Paulista. Eu vou desenhar: o mapa da região da Sé tem imensas áreas vazias, como ao longo dos trilhos dos trens Leste-Oeste (cruzando o Centro) e etc., que não estão no Conjunto Nacional mas têm toda a infraestrutura implantada desde o início do século 20: escolas ociosas, hospitais, postos de saúde, metrô, trem e ônibus.
Havia opção para construir os conjuntos na área central. Podemos beneficiar os governos com uma crítica leve por não o terem feito: foi o imediatismo financeiro-eleitoral… Ou podemos ser mais duros: as administrações de esquerda padecem do mesmo defeito dos governos militares, de achar que lugar de pobre é longe do centro.
O estudo do Escolhas é conduzido pelo fundador, Sérgio Leitão, e pelo professor Ciro Biderman, da FGV, que até recentemente trabalhava na administração do prefeito Fernando Haddad. Um dos dados mais chocantes que eles levantaram é o que mostra que os municípios que recebem empreendimentos do Minha Casa Minha Vida não recebem investimentos para o saneamento básico. Em outras palavras, além de todos os outros defeitos, os conjuntos se tornam geradores concentrados de poluição.
Em outros países, os responsáveis por um programa catastrófico como o Minha Casa Minha Vida receberiam condenações públicas. Mas não é o nosso caso. Aqui, o país bestificado só tem olhos para a Lava Jato.
É curioso Lerner fazer esse tipo de crítica. Quando era prefeito, onde ficavam os conjuntos habitacionais populares de Curitiba? No Batel Soho? No Ecoville? Champagnat? Ou seria no Bairro Novo, Sitio Cercado e lugares que os moradores do Cabral Champs Elisées nem suspeitam onde ficam?
O Lerner não mudou, quem conhecia pobre era o vice Algaci Tulio. O Lerner viu pobre pela primeira vez, num retrato. Mas quem vomitou foi o Greca, o filhote do urbanista.