14:45Tempos estranhos

de Benedito Felipe Rauen Filho*

Como todos estão dando opiniões sobre os recentes escândalos, segue a minha:

Há um aspecto que envolve a delação premiada dos irmãos JBS que não está sendo muito divulgado e que me parece estranho.

Segundo algumas notícias, não muito “mancheteadas”, em troca da delação os irmãos – criminosos que enriqueceram nos últimos anos à custa do Estado e de propinas – não serão nem sequer denunciados.

Sem dúvida, os fatos que estão a denunciar, se verdadeiros, são graves, gravíssimos mesmo, mas me parece que a “premiação” dos criminosos delatores é muito desproporcional ao benefício penal que advirá se provados aqueles e condenados os envolvidos. Um acordo excelente e privilegiado, se comparado aos fechados recentemente pela Odebrecht, em razão dos quais Marcelo Odebrecht terá de cumprir ao todo quase dez anos de prisão, entre cadeia e prisão domiciliar.

O § 4º, do artigo 4º, da Lei nº 12.850 prevê que o Ministério Público “poderá” deixar de oferecer denúncia “se o colaborador não for o líder da organização criminosa” ou se “for o primeiro a prestar colaboração”.

Sem contar que o não oferecimento da denúncia é uma faculdade e não uma contrapartida obrigatória, lanço indagações. Sem pelo menos um inquérito, como é possível saber quem é o “líder da organização criminosa”? E como considerar os indigitados irmãos como os primeiros a prestar colaboração, se Aécio Neves já é investigado em decorrência de outra delação e se Eduardo Cunha é e foi investigado, processado e condenado, tendo como ponto de partida também delações? A circunstância de os procedimentos já existentes se prenderem a outros fatos e de novos nomes aparecerem agora parecem-me que não prevalecem para o efeito de caracterizar quem foi o primeiro delator, uma vez que o crime de organização criminosa se caracteriza, dentre outros requisitos, exatamente pela multiplicidade de ações e por todas se encontrarem no mesmo contexto.

E não se venha com o argumento de que eles seriam vítimas de extorsão dos políticos isso. É conversa fiada. Ou vamos crer que, ao distribuir propinas, os “idealistas” irmãos não estavam mirando os empréstimos com juros favoráveis do BNDES através dos quais em poucos anos deixaram a condição de modestos açougueiros para ter a maior empresa de beneficiamento de carnes do mundo? Claro que todos agiam buscando benefícios recíprocos.

Não denunciados, os dois delatores poderão comandar seus negócios e circular livremente, inclusive no exterior (um deles está em Nova York), como se puros e inocentes fossem. Já se noticia que, cientes de que as delações causariam um turbilhão com consequências na economia, horas antes delas, os irmãos teriam adquirido nada menos do que um bilhão (1 bilhão!) de dólares, moeda que efetivamente deu um salto de um dia para o outro, gerando lucro vultoso e imediato para os adquirentes.

O Ministério Público, parece-me, está sendo benevolente demais, desproporcional e sem tratamento isonômico em relação a outros delatores. Se a magnitude dos fatos revelados justifica uma recompensa a delatores, talvez os irmãos indigitados possam merecer os benefícios da Lei 12.850 – perdão judicial ou redução da pena –, mas só após o devido processo legal e julgamento, jamais tão açodadamente. Porém, ao que consta, e se for verdade que os termos do acordo foram esses (tomara que se desminta), o procedimento já foi homologado pelo Min. Fachin.

Como diz o Min. Marco Aurélio Mello, estamos vivendo tempos muito estranhos.

(*) Benedito Felipe Rauen Filho é um paranaense que fez carreira na magistratura gaúcha.

 

2 ideias sobre “Tempos estranhos

  1. Parreiras Rodrigues

    E falando em gaúcho, estou revendo o meu conceito em relação a campanha O Sul é o meu país.

    Falando nisso, ainda tenho um adesivo que mandei fazer e colei em diversos carros lá na Boca: Quero o meu Brasil, inteiro! O Aziel Pereira até me ajudou na adesivagem. Pois é…

  2. Zé Ninguém

    Agora tanto o Fachin quanto o MP precisam explicar à sociedade o porquê de tanta “generosidade” com os irmãos Batista. E os crimes contra o Sistema Financeiro vão ficar também impunes, eles foram cometidos após a divulgação das tais gravações? Será que tanto o ministro da Suprema Corte e os membros do MP sabiam que os irmãos iriam apontar mais uma e, de antemão já estariam perdoados?

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