17:31Carlos Chagas, adeus

Do jornal O Globo

Jornalista, advogado e professor Carlos Chagas morre aos 79 anos

Notícia foi dada pela filha, Helena Chagas, ex-ministra-chefe de Secretaria de Comunicação de Dilma Rousseff

Jornalista, professor, pai, avô e bisavô. Carlos Chagas faleceu nesta quarta-feira de manhã. Colecionou em sua vida episódios lembrados até hoje e que se confundem com a história do país. Durante o regime militar, escreveu uma coluna relatando a melancólica passagem do ex-presidente Juscelino Kubitschek, incógnito, por Brasília, a cidade que construiu. A coluna foi recortada e guardada pelo próprio JK e estava com ele quando morreu num acidente de carro em 1976.

Ele é pai de Helena Chagas, ex-ministra-chefe da Secretaria de Comunicação na gestão de Dilma Rousseff. Em sua página na rede social, Helena avisou sobre a morte: “Amigos, meu pai, jornalista Carlos Chagas, acaba de falecer. Era a melhor pessoa que conheci nesse mundo.”

Em 2006, deu depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) e ao Superior Tribunal Militar (STM) contando essa e outras histórias.

No depoimento, deu detalhes de um dos episódios mais marcantes do governo militar, durante o mandato do general Costa e Silva, que baixara o AI5 e convidara Carlos Chagas para ser seu porta-voz. E contou ainda como Costa e Silva, antes de morrer, ainda convalescente, tentou revogar o AI5, ato que não fez por não conseguir assinar o próprio nome por conta do derrame cerebral.

“Eu era editor político d’O Globo lá no Rio de Janeiro, nunca tinha pensado em mudar para Brasília e sair do mar. Mas veio o AI-5, foi aquela coisa execrável, horrorosa, começou a haver censura à imprensa, e o presidente Costa e Silva, que, antes do AI-5, conversava com alguns jornalistas com frequência, chamava para conversar informalmente… Você não tinha que concordar com eles, mas o seu papel de jornalista era registrar o que eles pensavam, o que eles falavam. Veio o AI-5 e o Costa e Silva nunca mais chamou ninguém, aqueles jornalistas políticos lá do Rio e de São Paulo”, contou Chagas.Ele relatou que em maio de 1969 recebeu ligação de ajudante de ordem o chamando para falar com Costa e Silva no Palácio das Laranjeiras.

“Fui lá. Cheguei no Palácio Laranjeiras já umas seis horas da tarde, tendo dito ao secretário de redação d’O Globo: “Não fecha a página, não, porque pode ter novidade. O presidente chamou para conversar”. Chego lá na antessala, não tem ninguém, só eu. …E eu entrei, sem saber, e o presidente começa a falar sobre a conjuntura e diz, entre outras coisas importantes, que ele não passaria à História como mais um general que simplesmente golpeou as instituições, que ele ia acabar com o AI-5, que ele ia dar os primeiros passos no sentido da abertura política. Porque ele tinha dado um retrocesso. Ninguém livra ele desse erro. Mas ele… Então, ele começou a falar e eu comecei a arregalar o olho.

E naquele tempo não havia gravador. O jornalista treinava a memória, é claro. Nem anotava nada, porque anotar faz… assusta o entrevistado. Então eu comecei a arregalar o olho e a gravar aquilo tudo na cabeça. E o velho, que era um velho esperto – ele não tinha grande cultura, mas tinha uma intuição muito grande –, ele olhou para mim e disse: “É, estou te falando isso tudo, mas você não vai publicar isso hoje, não”. Eu digo: “Ah, presidente, mas como?! Isso é uma coisa muito bonita, o senhor vai acabar com o AI-5 e tudo”. Ele disse: “Não, não”. E ele me disse que ia convocar uma comissão de juristas para fazer um anteprojeto de reforma da Constituição e que, depois de discutir aquilo, ele e o Pedro Aleixo, o vice-presidente, iriam reabrir o Congresso – o Congresso estava em recesso, fechado ditatorialmente –, iriam reabrir e mandar para o Congresso esse anteprojeto. E eu fiquei na maior felicidade e disse: “Quero a notícia!”. Jornalista se corrompe com notícia. E eu disse: “Mas presidente, vamos publicar isso”.

Ele disse: “Não, não. Você não vai publicar nada hoje. Eu te chamei aqui porque você é conhecido pelos políticos, é respeitado e eu quero te chamar para vir ser o meu secretário de Imprensa, o meu porta-voz, para dar essas notícias aos poucos, não de repente, porque isso vai assustar os radicais”.

Era uma sexta-feira. Aí ele disse: “E não precisa resolver agora, não. Volta aqui na segunda e me diz se você aceita ou não”. E eu passei o pior fim de semana da minha vida. Eu tinha duas filhas pequenininhas, morava no Rio, minha mulher no Rio e tudo, estava n’O Globo… Aí o que acontece? Segunda-feira, depois de sofrer um bocado, segunda-feira eu fui lá de manhã, no Palácio Laranjeiras, e disse: “Presidente, eu aceito”.

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