Da Gazeta do Povo, em reportagem de Euclides Lucas Garcia e Fabiano Klostermann
Recurso doado ao tucano e não contabilizado seria “alocado” em obra de duplicação da PR-323, a ser tocada pela empreiteira em modelo de parceria público-privada (PPP)
Ex-presidente de Infraestrutura da Odebrecht Benedicto Júnior relatou à Operação Lava Jato que a empreiteira doou R$ 2,5 milhões via caixa 2 à campanha de reeleição do governador Beto Richa (PSDB) em 2014. Em troca, a empresa abateria esse montante do projeto de duplicação da PR-323, rodovia do Noroeste do estado. Na prestação de contas do último pleito disputado pelo tucano entregue à Justiça Eleitoral, não há registro de doações da Odebrecht.
Os dois delatores que citam Richa na “megadelação da Odebrecht” afirmam que não negociaram as doações diretamente com o atual governador do Paraná, mas com tesoureiros de campanha.
O delator que relatou a doação em 2014, Benedicto Júnior, disse que um diretor da empresa em Curitiba foi procurado em julho daquele ano por um empresário, que se apresentou em nome do comitê eleitoral do PSDB do Paraná e solicitou uma doação à campanha de Richa. A demanda foi levada a Benedicto por Luiz Bueno, diretor-superintendente das regiões São Paulo-Sul da Odebrecht, que recebeu autorização para repassar R$ 4 milhões ao tucano.
Desse total, teriam sido efetivamente liberados R$ 2,5 milhões para a campanha de Richa em três pagamentos supostamente realizados em setembro de 2014, às vésperas do primeiro turno: R$ 500 mil no dia 9; R$ 1 milhão no dia 18; e R$ 1 milhão no dia 25. Segundo Benedicto, os e-mails do setor de propinas da Odebrecht confirmam que diretor da empresa em Curitiba foi a pessoa que combinou endereço e senha com o empresário que falava em nome do PSDB paranaense para entrega do dinheiro. Além disso, nas planilhas, Richa, um aficionado por automobilismo, era nomeado como “Piloto”. (assista ao relato de Benedicto em vídeo )
O ex-executivo da empreiteira alegou ainda que os recursos de caixa 2 repassados ao governador foram “alocados” na Parceria Público-Privada (PPP) de duplicação da PR-323, cujo consórcio responsável era encabeçado pela Odebrecht. “Foi alocado aqui esse pagamento, que era o único projeto [da Odebrecht] que existia no Paraná. [Se o projeto fosse adiante], ia ser lançado como despesa, ele ia onerar o projeto: ou diminuir na minha margem ou na nossa capacidade de dar desconto. Mas é uma concessão que está aguardando financiamento até hoje”, afirmou.
No final do ano passado, a Odebrecht, atolada nos escândalos da Lava Jato, pediu para deixar o consórcio responsável pela obra, no qual tinha 70% de participação. Como a duplicação deveria ter sido iniciada em 2014 mas nunca saiu do papel, o governo do estado diz ter cancelado o contrato por descumprimento de prazo.
Por meio da assessoria de imprensa, Richa disse que cabia a Juraci Barbosa Sobrinho, tesoureiro da campanha de 2014, comentar o assunto. A reportagem deixou uma mensagem de voz no celular dele, mas não obteve retorno.
Doações em 2008 e 2010 sob o codinome “Brigão
Segundo o relatado pelos dois delatores que citam o governador Beto Richa, o relacionamento entre o político e a Odebrecht começou em 2008. No início, o codinome do tucano era “Brigão”. (veja o relato de Benedicto sobre as duas campanhas )
Valter Lana Júnior, que chegou a ocupar o cargo de diretor-superintendente Sul da empreiteira, afirmou à força-tarefa da Lava Jato que intermediou as doações da Odebrecht às campanhas de Richa em 2008, quando a disputa era pela prefeitura de Curitiba, e em 2010, ao governo do Paraná. Nas duas ocasiões, os o repasse dos valores foram autorizados por Benedicto Júnior, ex-presidente de Infraestrura da empresa.
Planilha da Odebrecht mostra a doação ao “Brigão” em 2008
Segundo o delator, na disputa pela prefeitura, a campanha de Richa levou R$ 100 mil da empreiteira, doados em caixa 2 – ou seja, sem informação na prestação de contas à Justiça Eleitoral. Já em 2010, quando a disputa era pelo governo do estado, o valor repassado foi de R$ 450 mil, também como caixa 2, pagos em espécie. Nas duas ocasiões, nenhum favor posterior teria sido exigido do político. A leitura da empreiteira era de que Richa era um expoente do PSDB que viria a crescer no cenário político estadual e nacional.
Em ambos os casos, as doações foram pedidas por Fernando Ghignone, tesoureiro das campanhas do político e atual presidente da Compagas e ex-presidente da Sanepar. O ex-executivo da empreiteira nega que tenha se encontrado com Beto Richa, a não ser em ocasiões “sociais”.
O esquema de repasse do dinheiro à campanha do tucano foi semelhante nas duas eleições. Segundo Lana Júnior, os pedidos de Ghignone foram feitos em encontros realizados no comitê da candidatura de Richa, na rua XV de Novembro. Depois de liberar os pagamentos com Benedicto Júnior – este liberava o valor e a forma de doação, no caso caixa 2 -, o então executivo fornecia ao tesoureiro data, senha e local de encontro.
Em 2008, segundo o delator, o repasse de R$ 100 mil foi feito em São Paulo no dia 18 de setembro. Lana Júnior descreve a contribuição como “institucional” – sem troca de favores, embora reconheça que foi feita de forma “equivocada”, por ser em doação não contabilizada. (assista ao relato em vídeo )
Planilha da Odebrecht mostra as doações ao “Brigão” em 2010
Já em 2010, após o pedido de Ghignone, a Odebrecht teria decidido doar R$ 450 mil, também segundo Lana Júnior, de forma “institucional”, sem pedidos da empreiteira ao governo. O valor teria sido dividido em três parcelas: a primeira de R$ 200 mil, paga em 30 de agosto; a segunda de R$ 100 mil, paga em 13 de setembro, e a terceira de R$ 150 mil, paga em 26 de outubro, ou seja, depois da eleição. No depoimento, Lana Júnior relata que os três pagamentos foram feitos em São Paulo, mas a planilha onde consta o repasse relata que a última teria sido paga em Porto Alegre (POA). No caso desta eleição, o delator informa que os pagamentos foram feitos por meio de um doleiro (assista ao outro relato em vídeo ).
Procurado pela Gazeta do Povo sobre esses dois casos, Richa disse que não se pronunciaria e que a resposta deveria ser dada por Fernando Ghignone, seu tesoureiro nas campanhas. Fernando Ghignone afirma que a denúncia dos delatores da Odebrecht é “inverídica e fantasiosa”. Ele diz que todas as doações das duas campanhas em que foi tesoureiro foram “efetuadas na forma da lei” e “depositadas na conta corrente oficial do partido”. Ele também afirmou que as contas de ambos os anos foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e sem ressalvas.
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