O pai vendia leitõezinhos nas feiras, mas não comia rapadura. Preservava os dentes, mas não ficou doce. Ao contrário, amargurou até o fim da vida, trancado com os demônios que criou. Por algum motivo, dentro do cofre da alma do filho sempre houve toneladas do doce. A mistura com o leite condensado jorrava da mamadeira, “endoçou” tudo – assim dizia ela. Mas nunca foi fácil para ele entregar a tal. Herdou também a fortaleza feita de insegurança e medo do velho de mãos finas e mãos de seda. Ela só abria a grande barreira quando ele cismava que alguém merecia. Como sabia? Carlos Gardel, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e Nana Caymmi cantavam só para o coração ouvir. Tango com bolero. Luar do sertão, cachoeira cortante, silêncio das pedreiras na madrugada, ondas e linha do mar no beijo eterno do horizonte. Poesia. Depois, sempre, desde a infância, desde a professorinha do pré-primário, a faca riscando o ar, pontaço – e um som a entrar junto no buraco feito: seu sorriso é uma navalha, que abre o meu coração… O melaço não sai mais e ele não o transformou em lágrimas. O apodrecimento em contagem regressiva para o fim. Da vida. Do nada. O pai vendia leitõezinhos. Ele, ilusões – e se rende.