por Tostão
A seleção brasileira já está pronta. O perigo é ter ficado pronta antes da Copa.
Os mais prevenidos e realistas, que observam a transitoriedade das coisas, ainda mais no futebol, vão lembrar que o Brasil ganhou do Uruguai nas eliminatórias para a Copa de 2010, em Montevidéu, por 4 a 0, com Dunga; que o torcedor se encantou com a seleção, após o 3 a 0 sobre a Espanha, na final da Copa das Confederações, em 2013; que a Argentina, sob o comando de Bielsa, foi, disparada, como é hoje o Brasil, a melhor seleção das eliminatórias para a Copa de 2002 –fez 43 pontos, mas foi eliminada na primeira fase do Mundial. O Brasil, que quase não se classificou, foi campeão do mundo.
Há muitos outros exemplos. Mas não será por isso que vamos deixar de elogiar a atual seleção. Além disso, quem está bem tem muito mais chance de continuar bem.
Paulinho fez três gols e calou os críticos. Sou um deles. Paulinho foi, mais uma vez, discreto como meio-campista, sua principal função, e ótimo como atacante, pois aparece muito bem dentro da área, além de ter feito um golaço, em um chute de longa distância, o que nunca o tinha visto fazer. No Corinthians, ele já fazia muitos gols. No Tottenham, como não marcava, os ingleses não entendiam como era titular do Brasil.
Neymar, mais uma vez, foi magistral. Ao falar dele, lembro-me de Messi. Dias atrás, vi, em um programa esportivo –não lembro qual–, uma foto espetacular, tirada após o sexto gol do Barcelona sobre o PSG, em que Messi, com exuberante alegria, era carregado pela torcida. Fiquei intrigado. Por que o discreto craque, em vez de correr para festejar com os companheiros, como faz sempre, foi para a galera?
A explicação mais lógica seria a de que ele teve uma catarse emocional, além de ter sido um gesto de afeto e agradecimento aos torcedores que tanto o admiram.
Mas como sou um psicanalista de botequim, curioso para entender as sutilezas e as contradições humanas, imaginei, divaguei, com grande chance de estar errado, que Messi, sem pensar, sem querer querendo, preocupado com seu futuro, correu para a torcida para ser amado e para mostrar que é o rei do time catalão.
Ele sabe, por ser mais velho que Neymar, que deve cair de produção antes de seu herdeiro. Será que ele vai sair de cena antes que isso ocorra ou vai para os EUA, para a China ou vai jogar no Newell’s Old Boys, seu primeiro clube?
Neymar deve também estar preocupado. Instigado pelo pai e pelo empresário, dizem que ele pensa muito em ir para outro gigante europeu, onde seria o grande protagonista e teria mais chance de ser o melhor do mundo.
O Barcelona também está preocupado. Sabe que, financeiramente, o melhor seria negociar Messi, antes que ele tenha uma queda técnica, ainda mais que não precisa achar um herdeiro.
Esses conflitos são frequentes nos seres humanos. A ambição de Messi e de Neymar não diminui a amizade entre os dois nem o desejo que um tem pelo sucesso do outro.
Os dois sabem também que precisam um do outro para brilhar cada vez mais. Sentimentos contraditórios caminham juntos. A consciência sublima, reprime e administra as emoções, os desejos e os instintos.
Assim foi criada a sociedade organizada. Mas há um preço a pagar. Como disse Freud, a repressão é uma das razões do mal-estar da civilização.
*Publicado na Folha de S.Paulo