Da Folha de S.Paulo
FHC discutiu sua sucessão com Emílio Odebrecht
No início de seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) discutiu sua sucessão na Presidência com Emílio Odebrecht, à época no comando da empresa que leva seu sobrenome –e hoje, delator da Lava Jato.
No terceiro volume dos “Diários da Presidência – 1999 a 2000” (Companhia das Letras), lançado neste sábado (25), FHC cita Emílio nove vezes. A mais demorada delas, que ocupa mais de duas páginas, ocorreu em julho de 1999. A conversa foi da sucessão na Presidência e nas empresas nacionais à situação de países latino-americanos.
“Tanto ele quanto eu achamos que o [então governador de SP, Mário] Covas, com saúde, será o melhor candidato”, narra o ex-presidente.
“Mas o que está pintando por aí é Ciro [Gomes] e [Anthony] Garotinho. Garotinho esperto, Emílio me pareceu simpático ao que ele tem feito na área dos empresários.”
FHC respondeu que “nenhum deles tem a visão do mundo necessária para dirigir o Brasil”.
Covas morreu dois anos depois, e o candidato do PSDB foi José Serra, que perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Garotinho, então no PSB, ficou em terceiro.
À Folha, o ex-presidente disse que “não tem nada que eu tenha que esconder”. “Não é fácil você governar oito anos –na verdade, dez anos, desde que fui ministro da Fazenda– e poder dizer ‘fiz isso por isso’. ‘Recebi tal pessoa, falei tal coisa'”, afirmou.
Fernando Henrique gravava comentários de sua rotina no calor do momento. Transcritos, os depoimentos foram divididos em quatro volumes dos “Diários da Presidência”. O último deve chegar às livrarias no ano que vem.
“Esse livro não é fruto de uma reflexão, é fruto de uma reação momentânea. O valor dele não é um julgamento das pessoas, da história”, notou.
O tucano afirmou que a influência dos grandes empresários no governo, “na minha época, era menor do que pensavam. A briga é com os partidos”. Ele observa que pressão havia de toda parte, dos sindicatos, do MST ao Fundo Monetário Internacional.
Mas, nos diários, o ex-presidente fazia questão de pontuar a sua independência. Falando de Emílio Odebrecht, relatou: “A ideia de nomear Clóvis [Carvalho na Casa Civil] não foi bem-aceita, o que não quer dizer nada”.
E continuou: “É a visão parcial de um empresário. Eles não têm que opinar nessas questões, têm é que se ajustar às nossas decisões de políticas econômicas. Na verdade, o Emílio nunca chia”.
Hoje, FHC nota que é natural no presidencialismo fazer alianças e nomear ministros com base no número de votos que ele entrega no Congresso. “Nomear para roubar é que não é normal”, reage. “Não é sempre assim. Quando é, apodreceu o sistema. Em vários momentos, apodrece.”
Passados 18 anos, ele sorri ao lembrar episódios que o irritaram. O contato estreito com o FMI, na crise cambial, por exemplo, motivava críticas por suposta submissão do Brasil ao organismo.
“A certa altura, veio o diretor do Fundo aqui. Saiu na imprensa que ele veio me dar ordens. Sabe o que ele veio fazer? Me agradecer. Porque eu fui importante na eleição dele”, recorda-se FHC.