por Celso Rocha de Barros
A esta altura, não se sabe bem o que seria considerado uma surpresa na lista de Janot. A única dúvida é se alguém politicamente relevante ficará de fora (Marina Silva talvez?). Os outros que talvez comemorem sua ausência, como Bolsonaro, não foram comprados, porque as empreiteiras buscavam políticos competentes o suficiente para participar de discussões e decisões importantes. Em 30 anos de carreira legislativa, o máximo que Bolsonaro produziu em troca de seu alto salário de deputado foram duas ou três piadas sobre gays.
Os outros grandes quadros da política brasileira devem aparecer na lista. Sim, é importante saber o grau de envolvimento de cada um dos citados. Mas não se deixe enganar pela discussão sobre caixa um e caixa dois: o dinheiro pode ter entrado pelas mais variadas reentrâncias, mas sua origem é um cartel de empreiteiras que roubava dinheiro dos contribuintes. O cartel dava dinheiro para políticos em troca de tolerância à sua manipulação de preços. Todas as doações foram dinheiro do crime.
Alguns dos acusados terão negociado essa transação pessoalmente, outros o terão feito por meio de subordinados. Outros terão recebido dinheiro por serem aliados ou correligionários de alguém importante que vendeu um favor. Deveriam ter perguntado por que estavam recebendo dinheiro de empresas que faziam o grosso de seus negócios com o governo, mas não perguntaram.
De qualquer jeito, fica claro que o sistema era esse, e já fazia tempo que era. Os esquemas vinham de décadas. Portanto, a primeira lição a tirar do episódio é: não, nunca houve uma época em que tudo fosse mais honesto.
O que havia eram ditaduras, como a que Bolsonaro apoiou, que teriam fuzilado Sergio Moro e Deltan Dallagnol quando suas investigações chegassem no primeiro assessor de ministro.
Em segundo lugar, não é razoável supor que todos esses políticos sejam gente pior que nós. Se todos aceitaram dinheiro do cartel, é porque devia mesmo ser muito difícil se eleger sem aceitá-lo. Portanto, enquanto a polícia e o Judiciário cumprem seu papel, precisamos pensar em formas de tornar nossas campanhas mais baratas. Se não mudarmos essas regras, mesmo que elejamos 500 Pepes Mujicas em 2018, em 2022 todos serão Eduardos Cunhas.
Em terceiro lugar, a Lava Jato é o início de uma transição de um tipo de capitalismo em que a proximidade entre Estado e empresas se dava por captura, para um outro tipo, que esperamos mais dinâmico e transparente. Devemos discutir com mais vigor quais serão as regras desse novo arranjo, até para evitar a possibilidade de que a transição seja interrompida.
O custo de combater a corrupção nestes últimos anos foi muito alto: parte de nossa crise atual se deve ao desmantelamento de empresas que compravam deputados e fraudavam licitações, mas eram também responsáveis por parte importante do investimento nacional. Se conseguirmos reorganizar nossa economia, agora dentro da lei, esse PIB perdido nos últimos anos será recuperado rápido, será pago várias vezes. Mas se pararmos no meio do caminho, ele terá sido perdido por nada.
Precisamos repensar o modelo de negócios brasileiro e precisamos de campanhas mais baratas. E, talvez, agora que ninguém pode fingir que é moralmente superior ao outro, consigamos discutir isso como adultos.
*Publicado na Folha de S.Paulo
A exceção é o PSDB, como provará o insuspeito ministro Gilmar Mendes.