por Fernando Muniz
Fim de tarde. Na calçada, um cardume cinza e preto avança com pressa, golas levantadas para espantar o frio, em busca de abrigo.
Ali, a céu aberto, próximo a um restaurante, uma fumaça o engole. É arrastado a um tempo de pouco sono, festas até o amanhecer, bebidas fortes, música alta e… aquele cheiro. A impregnar a roupa e cabelos, entranhando-se nos dedos, apesar dos avisos e conselhos, até do Ministério da Saúde.
Sente uma pontada, uma ardência na garganta, uma urgência de seguir aquele rastro atrás do amigo de há tanto, companheiro fiel, a conferir graça e estilo a um guri apavorado com o mundo, enquanto os pulmões, aos poucos, escureciam. Revolve bolsos do paletó, em um ato reflexo.
Procura de onde vem o fumo. Junto a um poste, nos fundos do restaurante, duas garotas, tamancos de cozinheira e mangas arregaçadas apesar do frio, conversam como se a vida não tivesse vírgulas, aspas ou – muito menos – pontos finais.
Diagnósticos da medicina ou estatísticas da ciência? Papo furado. Soltam longas baforadas enquanto admiram tatuagens ainda envoltas em plástico transparente, agitadas, felizes. Imortais.
Ele abandona o cardume; a ardência se espalha pelo corpo. As garotas se entreolham. E o acolhem.
Bacana. Enxuto, econômico, quase espartano, quase daltônico. Mas naquela hora e naquele lugar, nada melhor que um cigarrinho, danação ou não.