por Fernando Muniz
O filho não deixa a cabra de estimação ir muito longe. Tem por ela uma afeição danada. Em especial por aqueles olhos grandes, pacíficos, como os da sua irmãzinha mais nova, enterrada sem caixão faz poucos dias, só pele e osso feito a cabra.
No alto da casa de pau a pique um casal de urubus observa a cena; pacientes feito a morte que ronda o pasto seco. A cabra tenta escapulir para o roçado junto à casa, morto tal qual tudo ao redor. Quer fugir dali, pular a cerca, ganhar o mundo, apesar de sequer parar em pé.
O pai observa os urubus, o filho que masca mandacaru e a cabra, que tropeça pelo terreiro. Apanha a peixeira, solta um longo suspiro e crava a lâmina no pescoço do bicho. O menino não esboça reação.
Cuidam para preservar o sangue, mais importante que a carne ou os ossos. Saciada a sede, o pai sente um torpor. Olha para o telhado da tapera e enxerga duas galinhas. Fica feliz ao ver a esposa e a filha de volta, depois de tanto tempo, comentando como está verde o roçado deles.
O filho sorri para o pai, porém com um urubu no ombro esquerdo. O homem acha aquilo estranho; pega a peixeira para espantar a ave e desfere um golpe certeiro. Seus pés sentem algo a correr, feito água. Sai do sol e descobre o que fez. Não esboça reação.