Da Folha.com
Sob vaias, ministro faz discurso contra Raduan Nassar no Prémio Camões
Quando Raduan Nassar chegou ao Museu Lasar Segall, na manhã desta sexta-feira (17), para receber o Prêmio Camões, o autor ganhou um abraço do editor Luiz Schwarcz, que disse rindo: “Raduan, chegou o dia! Vai passar rápido!”.
Mas devem ter sido longos minutos para Raduan. Pelo visto prevendo que o autor de “Lavoura Arcaica” faria um contundente discurso sobre o governo de Michel Temer, o Ministério da Cultura inverteu a ordem tradicional da cerimônia. Em vez de falar por último, Raduan falou primeiro.
Isso permitiu que o ministro Roberto Freire tivesse a última palavra, causando constrangimento com uma resposta dura a Raduan, que havia acusado o governo de golpista.
O ministro sugeriu que o escritor não deveria aceitar o prêmio, no valor de €100 mil (cerca de 330 mil reais). Freire nega que o ritual tenha sido invertido.
O clima era tenso. Enquanto Freire falava de improviso, deixando de lado o discurso que havia preparado, a plateia o interrompia com protestos. O poeta e professor da USP Augusto Massi dizia ao ministro: “Acho que você não está à altura do evento!”.”É um adversário recebendo um prêmio de um governo que ele considera ilegítimo”, disse Freire, debaixo de vaias e gritos de “Fora, Temer” da plateia. “Quem dá prêmio a adversário político não é a ditadura!”
“Permitimos que o agraciado dissesse o que quisesse e imaginasse”, rebateu Freire, que ainda qualificou o protesto de Raduan como “histriônico”.
“Lamentavelmente, o Brasil assiste hoje a pessoas da nossa geração, que podiam dar testemunhos da sua experiência, que viveram um golpe verdadeiro, dando o inverso de todo esse testemunho”, falou o ministro.
Massi lembrou ainda que a obra de Raduan é uma obra política. Em um dos ensaios mais importantes sobre a literatura dele, a crítica Leyla Perrone-Moisés filia o autor ao que chama de uma “literatura de revolta” —e mostra sua relação com o momento político da ditadura militar.
A filósofa Marilena Chaui, também presente, gritou “O silêncio é precioso” e ouviu do ministro que ela estava dizendo aquilo por ser “de classe média” – em referência à ocasião, em 2013, em que a intelectual bradou que odiava a classe média.
O Camões, instituído em 1988 em acordo entre Brasil e Portugal, foi concedido a Raduan 17 dias após Dilma ser afastada pela abertura do processo de impeachment foi aberto, em maio passado.
CRÍTICAS AO GOVERNO
Em seu discurso de apenas duas páginas, concluído com a frase “O golpe estava consumado. Não há como ficar calado”, Raduan fez crítica à política no país.
O primeiro criticado foi o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Raduan acusou Moraes de ser o responsável pela invasão de escolas ocupadas, pela prisão recente de Guilherme Boulos e de “violência contra a oposição democrática” que se manifesta nas ruas.
“Esta figura exótica agora é indicada ao Supremo Tribunal Federal”, disse o autor. “Esses fatos configuram por extensão todo um governo repressor. Governo atrelado ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração de riqueza.”
“Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou o autor, criticando ainda a decisão do STF que permitiu a Moreira Franco virar ministro.
“Em sua decisão, o ministro [Celso de Mello] acrescentou um elogio superlativo a Gilmar Mendes por ter barrado Lula para a Casa Civil. Dois pesos e duas medidas.”
Raduan ainda elogiou a ex-presidente Dilma, a quem chamou de íntegra. “Não há como ficar calado”, concluiu.
Também presente ao evento, a presidente da Biblioteca Nacional, Helena Severo, dizia ao embaixador de Portugal, Jorge Cabral, ter “sentido vergonha como brasileira” pela situação.
“Acho que não era um momento de luta política, era a entrega de um prêmio literário”, afirmou.
Na saída, o ministro ainda discutiu com algumas pessoas da plateia. Massi diz ter sido chamado de “idiota” por Freire.
“Eu não o ofendi, tentei lembrar que o momento era do Raduan. Acho estranho que um político com a história dele marque uma pessoa depois do debate e vá chamar de idiota. Eu não fui ofensivo quando me manifestei”, diz Massi.
Já Freire afirmou à Folha na saída que resolveu fazer um discurso duro por conta da “deselegância” de Raduan. “Se ele viesse dizer que não aceitava o prêmio, a crítica que ele fez podia até ser justa.”
OPOSIÇÃO HISTÓRICA
Era previsível que o escritor fosse fazer um discurso político. Em 2016, enquanto o processo de impeachment corria, Raduan fez uma série de aparições públicas em defesa do governo petista, como a vez que foi a Brasília discursar a favor da ex-presidenta.
O escritor também publicou um texto na Folha defendendo que a deposição do PT havia sido um golpe.
Após a cerimônia, o Ministério da Cultura divulgou uma nota oficial sobre o ocorrido. Leia na íntegra:
O Ministério da Cultura lamenta, mais uma vez, a prática do Partido dos Trabalhadores em aparelhar órgãos públicos e organizar ataques para tentar desestabilizar o processo democrático. Durante a cerimônia de entrega do Prêmio Camões de Literatura, em São Paulo, o ministro da Cultura, Roberto Freire, teve sua fala interrompida por manifestantes partidários, sinal de desrespeito à premiação oficial dos governos de Brasil e Portugal.
Considerada a mais importante distinção da Língua Portuguesa, o prêmio concedeu 100 mil euros (sendo 50 mil euros arcados pelo Ministério da Cultura) ao escritor brasileiro Raduan Nassar.
O agraciado foi respeitado por todos durante sua fala, ao contrário do que ocorreu com o ministro da Cultura, interrompido de forma agressiva. Apesar de ser um adversário político do governo, Raduan recebeu o prêmio, legitimando sua importância. Uma premiação literária com essa dimensão não merecia esse comportamento intolerante de alguns, que tentaram partidarizar o evento.
Nada como um dia depois do outro, jamais imaginei que um dia iria concordar com o Roberto Freire, mas não posso concordar com gente hipócrita, fala mal do Governo mas aceita o prêmio, em dinheiro que ele dá. Sempre odiei hipócritas e incoerentes, mas é isto o que temos mais nos dias de hoje, hipócritas e incoerentes.
Mas o véio não abriu mão dos euros…..cultura e petismo não combinam…. véio sem vergonha….