por Mauricio Stycer
Vai ao ar depois das 23h, dura 25 minutos e dá menos audiência do que reprise de novela à tarde. Ainda assim, o humorístico “Tá no Ar” é hoje um dos raros programas da Globo que dá algum prestígio à emissora junto a formadores de opinião.
Tendo como matéria-prima o próprio universo da televisão, a atração ri abertamente do que há de mais caricato, sensacionalista, grosseiro e ofensivo na programação da Globo e de suas concorrentes.
No ar desde o final de janeiro, a quarta temporada mostra que o desafio de se manter em alto nível foi superado. O programa continua com as garras afiadas, surpreendente e engraçado.
Nem tudo é novidade no cardápio semanal. É visível a insistência em alguns temas, como a sátira ao jornalismo policial vespertino, a pilhéria com o excesso de religião na TV e o deboche dirigido ao universo de “ricos e famosos” que frequenta a ilha de Caras e o programa de Amaury Jr..
Há quem enxergue falta de repertório nesta repetição de alguns quadros. Prefiro ver como assinaturas do “Tá no Ar”, uma maneira de mostrar o compromisso do programa com esses assuntos.
Outra área sensível que o humorístico mantém em seu radar é a publicidade. Continuam cortantes as piadas com os excessos cometidos em nome de marcas que investem fortunas em campanhas. Trata-se de terreno minado, pelos interesses comerciais envolvidos, o que permite afirmar que só vai ao ar por contar com apoio irrestrito da emissora.
Em julho de 2015, escrevendo sobre a gênese do “Tá no Ar”, relatei aqui na “Ilustrada” (“A fila andou e deixou mágoas”) que Marcius Melhem, ao ser convidado a dar ideias para um novo programa de humor, avisou: “Se não tirar o [departamento] jurídico da frente, não dá para fazer humor”.
Era uma referência, justamente, a restrições que vigoravam no passado e contribuíram para a perda de vigor de outros humorísticos, entre os quais o “Casseta & Planeta”, que reinou na década de 90 do século passado.
Como os fundadores do Casseta já falaram, os vetos a piadas com marcas de produtos, programas da concorrência e crítica política muito explícita cresceram na mesma proporção que o sucesso do programa.
Nestes quatro anos do “Tá no Ar”, até onde se sabe, a equipe de criação, liderada por Melhem, Marcelo Adnet e Mauricio Farias, tem tido liberdade total -o que transparece na tela.
Esta semana, porém, pela primeira vez, o programa cedeu diante de uma pressão externa. Uma paródia do desenho infantil “Peppa Pig”, transformada em “Treta Pig”, exibida em 31 de janeiro, levou a empresa britânica Entertainment One a notificar a Globo.
Os termos da queixa não foram divulgados nem pela dona dos direitos do desenho nem pela emissora brasileira, mas a reação desta última foi excluir o quadro do programa, até então disponível em seu aplicativo on-line.
Trata-se de algo pequeno, uma piada de 90 segundos apenas. Nada que afete a reputação de uma atração que tem dado seguidas demonstrações de liberdade, coragem e espírito crítico. Mas não deixa de ser preocupante que uma exceção tenha sido aberta.
*Publicado na Folha de S.Paulo