por Luis Costa Pinto, no site Poder 360
Moraes e o convescote no abatedouro
A chalana Champagne é uma embarcação que se destaca na paisagem lacustre de Brasília. Retangular, de fundo chato e tendo proa e popas desenhadas em ângulos retos, a Champagne é identificável pela proeminência de uma edificação vertical de dois andares fechados com vidros fumês esverdeados e protegidos por persianas: uma suíte. No andar inferior projeta-se em direção à proa uma espécie de salão. É uma sala de estar e jantar.
No mundinho do diz-que-diz de Brasília a fama das viagens vespertinas da chalana, quando singra as águas do Lago Paranoá com passageiros severamente selecionados e recomendados, dispensa o afrancesado “Champagne” e abraça o pragmático anglicismo do apelido “Love Boat”. Sim: ali o amor está sempre a bordo.
A Champagne pertence ao senador Wilder Morais (PP-GO) e ele a empresta, não raras vezes, a colegas de Senado para que naveguem pela orla brasiliense, entre os lagos Sul e Norte. Também gosta de dar ali pequenas e concorridas festas flutuantes. Na noite da terça-feira, 7 de fevereiro, a chalana sediou um convescote emblemático.
Morais recebeu para jantar, de acordo com reportagem do Poder360, o pretendente indicado à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e os colegas senadores Benedito de Lira (PP-AL), Cidinho Santos (PR-MT), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Ivo Cassol (PR-RO), José Medeiros (PSD-MT), Sérgio Petecão (PSD-AC) e Zezé Perrella (PMDB-MG).
O objetivo era conhecer o que pensa o ministro licenciado da Justiça e da Segurança Pública e fazê-lo cabalar votos necessários à aprovação de sua indicação à vaga de Teoria Zavascki no STF.
Enquanto o eclético grupo trocava talheres e tintins embarcados na suíte flutuante de Morais a barbárie tomava conta das ruas de Vitória (ES) e cenário semelhante se armava no Rio de Janeiro, no Recife e na própria Brasília. Em todas essas cidades policiais civis e militares ameaçam greves iguais àquela que desenha uma rotina infernal para os capixabas. Claro estava que o assunto não seria abordado – afinal, Alexandre Moraes ausentara-se do posto a fim de implorar apoios. Respostas não haveria àquilo que deveria torturá-lo como uma marca na biografia.
Segundo relatos, o senador alagoano Benedito de Lira quis saber se, uma vez ministro do Supremo, Alexandre de Moraes iria esnobar parlamentares como outros já fazem na Corte, recebendo-os protocolarmente no Salão Branco, ou se daria a detentores de foro privilegiado a atenção que uma audiência reservada mereceria. A curiosidade de Benedito de Lira foi satisfeita com uma resposta que o agradou. Houve alívio a bordo.
Em menos de duas semanas os passageiros daquela noitada do “Love Boat” sentarão na Comissão de Constituição e Justiça do Senado para sabatinar Alexandre de Moraes. É o que reza a Constituição. Não estarão mais presentes nem as massas, nem os vinhos nem os figos secos servidos. Caso sobreviva à sabatina como sobreviveu lépido e faceiro ao jantar, Moraes deverá ter o nome aprovado para ocupar a vaga de Zavascki no Supremo Tribunal Federal.
Sabatinas de candidatos a Cortes Supremas são encontros sérios e definitivos de sociedades, representadas por seus senadores e, em alguns casos, pelos deputados, com o futuro que se quer desenhar para uma Nação a partir dos dramas do cotidiano que emanarão das sentenças definitivas exaradas pelos tribunais constitucionais.
Nos Estados Unidos as sabatinas são levadas aos limites da seriedade. Algumas duraram semanas e foram acompanhadas pelo público americano com o interesse devotado às séries televisivas. Foi assim com Clarence Thomas, em 1992. O rosário de questões às quais teve de responder obrigaram-no a se desnudar ante a sociedade por quase uma semana. Terminou aprovado. Hoje profere os mais conservadores votos da Suprema Corte dos EUA. Teve de responder publicamente pelo que pensava sobre as leis e o Estado de Direito e também sobre a acusação de ter assediado uma procuradora, Anita Hill, quando era juiz federal.
Se os senadores brasileiros levarem a sério a sabatina de Alexandre de Moraes, que poderia e deveria ser um ponto de inflexão do Senado em busca da reparação de sua imagem tão combalida no imaginário nacional (ressalte-se: não há Estado Democrático sem instituições republicanas funcionando plenamente e o Senado Federal é uma delas e é basilar), o ministro licenciado da Justiça e da Segurança Pública teria de ter usado a noite da última terça, e as que virão ainda, para estudar e se preparar.
Não haverá sabatina digna desse nome se Moraes não foi instado a responder sobre a acusação de plágio que lhe recai (teria copiado, sem citação, trechos de uma obra do ex-presidente do Conselho de Estado da Espanha Francisco Rubio Llorente). Ou de falar como ampliou o patrimônio imobiliário em tão pouco tempo. Ou por que é acusado de ter advogado para empresas usadas pelo PCC, o Primeiro Comando da Capital. Ou, ainda, sobre como está o estado de seu relacionamento com o antigo cliente Eduardo Cunha, ora passando uma temporada nos presídios de Curitiba e sobre quem lhe recairão necessários despachos judiciais caso ascenda ao STF. Deverá responder ainda Moraes sobre seus conceitos de sociedade moderna, a forma como vê avanços do debate em torno da descriminalização do uso de drogas e a repercussão disso no combate a crimes. Por fim, precisará falar como poderia ter ajudado –e não o fez– na repressão à explosão de violência desse começo de ano no Rio Grande do Norte, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.
Executada de forma dignificante para a República, estruturada a fim de extrair de Alexandre de Moraes respostas densas e convincentes sobre as dúvidas que assaltam os cidadãos em torno da capacidade que ele tem, ou não, de ocupar a vaga de Teori Zavascki, a sabatina até aqui marcada para o dia 22 de fevereiro no Senado pode ser um momento dignificante. Caso contrário, o convescote sediado na chalana Champagne ficará para sempre marcado como uma espécie de rififi vesperal celebrado no abatedouro antes do sacrifício do touro quando todos sabiam, já de antemão, que o touro celebrava com eles porque sacrifício não haveria.
E quando Lula e Zé Dirceu indicaram ao STF um advogado petista José Toffoli após ser reprovado para Juiz Federal?
A sabatina foi melhor?
E o advogado de São Bernardo do Campo indicado por Lula – Ricardo Lewandowski?
É intolerável esse tipo de “ética política”!
Rubert Requião indicou o irmão psicólogo pro Tribunal de Contas da Republiqueta paranaense sem sabatina pode?