Odiava cachorros, principalmente os que eram dissimulados. Não importava se eram de raça, com pedigree no papel e sobrenome com verniz de nobreza, ou vira-latas frutos da mistura de quem, durante séculos, se alimentou de lixo. Os que latiam muito alto, para demonstrar veemência que imaginavam ser sabedoria, estes ele sentia vontade de matar, principalmente porque atrapalhavam seu mundo isolado e localizado na parte de cima de uma garagem entupida de quinquilharias. O fundo da casa, entretanto, não impedia de os latidos chegarem. Pensou na solução graciliana – a de exterminar os cães para evitar que a doença se proliferasse pelo contato. Abandonou a ideia porque daria muito trabalho. As possíveis vítimas eram muitas – e ele teria de sair de casa. Resolveu então testar ainda mais a paciência. Quando ela estava prestes a se esgarçar, descobriu uma maneira de se segurar: chamava o companheiro. Ele vinha de rabo abanando, sempre, e encostava o topo da cabeça na perna dele. Cachorros – assim ele chamava os seres humanos que aspergiam palavras e perdigotos de todas as maneiras e em todos os locais. Animais que se diziam inteligentes e cometiam qualquer barbaridade para se convencer de que eram especiais. Au, au. Seu bichinho pediu colo. Atendeu. Fez um cafuné geral. Era o único Amor que tinha na vida.