por Mario Sergio Conti
Países de classe média grande são relaxantes, diz uma personagem de “Toni Erdmann”, comédia que estreia na quinta-feira (9). Concorrente ao Oscar de filme estrangeiro, ela vai do Primeiro Mundo (Alemanha) ao finado Segundo (Romênia) para mostrar algo da classe média europeia.
Um pai e uma filha encarnam a pequena burguesia. Professor de música para crianças, o patriarca pouco trabalha. Usufrui do Estado de Bem-Estar social do pós-guerra e dos costumes libertários de 1968. No início do filme, ele se fantasia de zumbi; é um morto-vivo.
Já a filha é uma executiva do capitalismo turbinado duas décadas depois, a partir do fim da Guerra Fria. Hipercompetitiva no seu blazer preto, ela demite em Berlim, Bucareste ou Cingapura. Tanto faz onde porque o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Mundos são trincheiras da globalização, na qual ela é um uber-drone.
A moça é um produto torto de 68. Pôde entrar no mercado de trabalho porque há meio século começou uma vaga feminista, que no entanto ela despreza. Para empregar o seu jargão: está focada na carreira e performa. Usa drogas, sexo e afeições quando a ajudam no trabalho.
A filha acha o pai arcaico e irresponsável. Ele a considera cruel consigo mesma e com os outros. Na penúltima cena, a jovem está nua e o velho é um monstro peludo. Na última, a reconciliação é ambígua.
Como aqui a classe média é minoritária e os pobres preponderam, o Brasil não é relaxante. O país está ainda mais tenso porque é difícil encontrar trabalho, e a pequena burguesia acha que o PT roubou os seus empregos. A ira impera.
O ressentimento atinge cumes constrangedores. Uma trabalhadora que nunca fez mal a ninguém, Marisa Letícia, agonizava, e um panelaço irrompeu em torno do hospital. Médicos, blogueiros e publicitários insuflaram agressões bestiais. O afeto que se encerra no peito nacional se fez ouvir.
A cerimônia que os eleitos pela classe média (e não só por ela) protagonizaram dentro do hospital, porém, não foi uma mera trégua. Foi uma conciliação apoteótica, e tão mais grave porque feita à beira de um leito de morte.
Cleptocratas de todos os partidos, o Planalto e o Congresso em peso, o atual presidente –e dois ex– foram todos muito além do protocolar. Propalaram em alto e bom som seu apreço e afeto pelo adversário da véspera, Lula.
Uma explicação para tal congraçamento se encontra no “homem cordial” de Sérgio Buarque: no Brasil, a nata dominante faz com que sentimentos se sobreponham à fria letra da lei, de modo a beneficiar materialmente o seu clã, a sua casta e a sua classe.
Lula foi além da cordialidade na oração fúnebre que fez diante dos despojos da mulher. Disse quem são, de fato, seus inimigos: “os facínoras que levantaram leviandades contra Marisa”. Ou seja, Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato.
Ao divulgar a gravação de um telefonema entre Marisa e um filho, que não falaram nada de relevante, mas na qual ela disse um palavrão, o juiz cometeu uma baixeza. Ao processá-la, para atingir Lula, golpeou abaixo da linha da cintura.
Como não querem magoar a classe média, os cleptocratas se calaram. Na morte de Marisa, contudo, ficou evidente que preferem Lula a Moro. Não querem ser presos e receiam a humilhação de suas famílias.
Para Lula, para o que sobrar do PT, para a esquerda toda, resta o mais difícil: reconquistar a confiança dos trabalhadores e da classe média.
*Publicado na Folha de S. Paulo
realmente foi uma baixeza o que fizeram com a falecida, panelaço em porta de hospital só pode ser coisa de aloprado, gente que não tem nem respeito nem consideração por ninguém. Infelizmente nem a morte mais dá jeito em nada, será que com a prisão do 51 os ânimos serenarão ?
Alguém que disse tudo,sem rodeios.