15:08Que volte o entrudo

Rogério Distéfano

O jornalista Assis Chateaubriand, criador dos Diários e Emissoras Associados, primeira rede nacional de jornalismo no Brasil, tinha relação ambivalente com o poder. Sempre dependente dos favores oficiais, obtidos com a força crítica de seus jornais, contrariado, fustigava os presidentes, como na passagem com o presidente Juscelino Kubitschek.

Pronto o artigo em que criticava o presidente, soube que o governo atendera um pleito seu. Horário limite de fechamento da edição, gráfica à espera, Chateaubriand não substitui o texto. Apenas acrescenta ao final: “é o que dizem os inimigos gratuitos de sua excelência”. Fascina a sutileza do ‘gratuito’, a justificar críticas antigas e futuras.

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O prefeito Rafael Greca proíbe os carros de som no carnaval curitibano. Ele acabou com as Oficinas de Música e detonou manu policiari a barulheira dos botecos vizinhos ao ninho de amor que desfruta com MinhaMargarita. Rafael Greca não gosta de música, nem do carnaval que baianos e pernambucanos inventaram, o dos carros de som. Não é a criatura de seu criador, Jaime Lerner, amante de chorinhos.

Perdão, o prefeito gosta de música. Mas seu gosto é particular. Não é o cantochão, a chatice gregoriana, nem oratórios de Bach ou Haydn. Ele gosta mesmo é daquelas músicas dos brinquedinhos de corda que nossas mães e madrinhas penduravam em nossas caminhas depois da mamadeira. Duvidam? O que ele cantou para driblar a pergunta do jornalista? A música do Chapeuzinho Vermelho.

Em verdade, Greca não gosta de carnaval, essa festa de obscenidades, paganismo pós datado. Um desperdício, não fosse o catolicismo retórico, nosso prefeito caberia no figurino pagão, daqueles romanos hedonistas que comiam e vomitavam para de novo encher o bandulho, e desfrutar de festins dignos de vinte e quatro césares. Afinal, festim, carnaval e bacanal é tudo igual.

Greca não é tolo. Embora não pareça, faz tudo de caso pensado, ele sente a léguas o pulso da tradicional família curitibana, não depende mais da grana e articulação das viúvas de Jaime Lerner. Ninguém gosta de carnaval, uma excrescência em Curitiba. Sempre fiel ao Ouvidor Pardinho, e só para agradar as escolas de samba (?) da cidade, ele ainda restabelece o entrudo.

Entrudo? Não pensem bobagem, vem do latim introitu, véspera da Quaresma, os três dias em que os portugueses – e os brasileiros ao tempo da Colônia – brincavam nas ruas. Jogavam água, farinha, faziam brincadeiras, sempre em grupo. O entrudo tem sabor greciano e bate com o espalhafato midiático do novo prefeito, que ainda consegue desses vereadores capachildos a lei do entrudo.

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É o que dizem os inimigos gratuitos de sua excelência.

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