de Fernando Muniz
Apesar do frio e da vizinhança degradada, a igreja permanece de portas abertas, a mostrar santos e cruzes para quem atravessar a praça, convidando a todos a tirar o peso das costas em um ambiente calmo, digno, cercado por velas e vitrais.
Nos bancos um fiel aqui outro ali ouvem a prédica, embalados pela voz um tanto esganiçada do padre, recém-ordenado, a tatear seu rebanho.
Na última fileira, encoberta pela luz lá de fora, uma mulher, ou melhor, uma senhora toma assento, de casaco comprido e botas, maquiagem um tanto borrada e a carregar uma bolsa pequena, quase uma frasqueira. Parece descansar de uma longa caminhada, ou de alguma tarefa sofrida.
O sacristão, quase da idade do padreco, percebe a nova fiel e vai se sentar ao seu lado. Ela dá uma pequena risada e recolhe a frasqueira do banco, feliz por receber atenção.
– A senhora precisa de alguma ajuda?
– Eu? Não… – pensa um instante, olha para os lados, examina o rapazote e, furtiva, cochicha em seu ouvido:
– Quer um amorzinho? É barato!