A cabra do Davi virou expressão eterna. Olhe o mapa do Nordeste, espete um alfinete com cabeça colorida em qualquer ponto. Lá tem. Cabra do Davi é quem se manda, foge de qualquer cercado, fica andando sem eira nem beira querendo conhecer tudo ou apenas vagabundeando sem destino certo. O que ninguém sabe é que o dono da cabra original, cuja história foi contada por um repentista cego que não era o Aderaldo, um dia comeu o bicho – no sentido literal. A cabra era só pele e osso naquele deserto onde até espinho de mandacaru era engolido com farinha para tentar matar a fome. O Davi tinha tantos filhos que, quando o terceiro já tinha morrido de olho aberto e enterrado no quintal, mesmo porque anjinho não precisa de caixão ou caixote, ele olhou a cabra, que de gordo só tinha os olhos, e cravou a peixeira, tendo o cuidado de aparar o sangue porque este também serviria de alimento. Claro que não adiantou. Economizaram aquela fartura de comida até o ponto de roerem os ossos três vezes ao dia. Nada. Padim Ciço nem era mais invocado para dar um jeito. Numa tarde assar os miolos, Davi achou que tinha visto uma galinha no telhado do casebre. Era delírio. Quando esfregou os olhos remelentos descobriu que urubu tinha chegado. Foi então que gritou para o deserto que nem cabra da peste era mais – porque a cabra tinha ido e só ficara a peste.