Rogério Distéfano
Quero crer que na história republicana o STF não teve a importância que tem hoje. Tentou, é bem verdade, na ditadura de Floriano Peixoto com a sucessão de habeas corpus concedidos a seus adversários, clientes de Rui Barbosa, também adversário. Mudou a formação do tribunal, ao qual dirigiu o chiste quando perguntou quem um dia iria conceder a garantia aos ministros da casa. O tribunal sumiu na ditadura de Vargas e na dos militares, ao perder competências para os tribunais políticos, de exceção. Nos intervalos de nossa democracia – que foram poucos, relativamente ao tempo histórico – cumpriu o papel de qualquer tribunal, burocrático, distante, indiferente.
Graças ao avanço e à sofisticação da corrupção, obra prima dos governos petistas, o STF parece responder aos valores da nação – não falo de opinião pública, pois como diz o titular do ZBlog, no Brasil não existe sociedade civil, existem espectadores, como na televisão. O papel do Supremo na Lava Jato responde à pressão dos espectadores e à sua representante, a imprensa. Um papel incompleto, algo tosco, tateante, mais para tímido que para enérgico, como seria desejável. Se por um lado respalda as decisões do juiz Sérgio Moro, de outro mantém-se reservado com os criadores da corrupção investidos de mandato, como os senadores e ministros do governo Temer.
Esse novo Supremo – que já devia ser velho no comportamento – nasce com as deformações inerentes. De um lado lembra seu modelo, o norte-americano, ao gerar debates na imprensa e no Congresso sobre o passado e as convicções dos futuros ministros. Veja-se o caso do ministro Ives Gandra Filho, de quem se vai buscar o que acha do papel da mulher no casamento. Importante, sim, para as pautas liberais e conservadoras, como as do aborto, do casamento homossexual e dos direitos transgêneros. Isso acontece agora nos EUA na transição de partido no governo em relação à vaga que o liberal Barack Obama não conseguiu preencher, ele um liberal.
Gandra seria o que naquilo que se lhe opõe como defeito? O oposto de Edson Fachin. Um e outro em lados distintos. Mas um e outro, por isso mesmo, no papel adequado a um ministro do Supremo, o de ser a voz de valores que existem na sociedade. Que por ser plural, há de refletir no tribunal supremo essa realidade. Gandra e Fachin seriam casos únicos no Supremo, que se divide entre ministros estritamente profissionais e ministros estritamente comprometidos com seu passado, incluído o débito de gratidão com quem os nomeou, e até episódios de questionável ética como o de favorecer a nomeação de filha desembargadora.
O pior do novo Supremo é sua doença infantil, o protagonismo dos ministros, que falam e opinam fora dos processos, tanto sobre assuntos do processo como o ‘perfil’ ideal do escolhido para a vaga do falecido Teori Zavascki. Um ministro sugere o ministro da Justiça, outro é dado como padrinho de Ives Gandra Filho, cujo nome teria levado em jantar com o presidente da República. Jantar com o presidente é desvio ético, considerando que a interlocução no nível dos poderes se daria com a presidente do tribunal. Pior ainda quando se trata do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que julga a legitimidade da eleição de Michel Temer.
Como se trata de doença infantil, devemos lembrar o tratamento que ela recebeu nos EUA, que segundo a teoria ruibarbosiana seria a fonte e modelo do Supremo. Ano passado, a ministra Ruth Bader Ginzburg, respeitada juíza da ala liberal, deu palpite sobre qualquer assunto, de passagem, para a imprensa. A imprensa e áreas conservadoras cogitaram seu impeachment, que não foi adiante depois que a ministra se desculpou e voltou ao recato que se espera dos magistrados. Delfim Neto, o ministro da ditadura, dizia que ministro do Supremo não tem passado, só tem futuro. Talvez um impeachment de ministro do Supremo seja um passo nessa direção.