por João Pereira Coutinho
Os meus escritores vivos preferidos? Cito três de memória: Peter Constable, María Ligia Perez e o brasileiro João Mario Aquino. O leitor nunca ouviu falar?
Curioso. Nem eu. Para dizer a verdade, inventei os nomes ao correr da pena só para ilustrar uma hipótese: e se os melhores escritores do nosso tempo não forem aqueles que o nosso tempo considera os melhores escritores?
Eis a tese que Chuck Klosterman defende no último livro (“But What If We’re Wrong?”, “e se estivermos errados?”). Duas coisas importantes: Chuck Klosterman existe mesmo e, infelizmente, não é lido com a atenção que merece.
O livro é uma permanente investigação às nossas noções de certeza. Sim, cientificamente falando, tudo é uma “busca sem fim”, como diria o filósofo. O mundo de Ptolomeu parece-nos tão risível como as nossas certezas científicas serão um dia.
Mas Klosterman aplica o raciocínio à “indústria cultural” (peço desculpa pela expressão brega) e, em particular, ao supremo mundo da vaidade literária.
Escrevem-se milhares, milhões de livros por ano. A crítica escolhe uns poucos -por razões justas ou injustas, tanto faz. De fora, fica uma legião de anônimos que publicam na sombra, vivem na sombra e morrem na sombra. Sem falar dos autores “populares”, consumidos pelas massas mas ignorados pelas “elites”.
Pois bem: esses poucos -os eleitos, digamos- acreditam que a consagração “oficial” será uma consagração eterna. Esse raciocínio ignora um pormenor fulcral: o que é importante aos olhos letrados do nosso tempo não será necessariamente importante em tempos posteriores.
Chuck Klosterman defende, e defende bem, que a leitura é também uma forma de criação. A relevância e até a imortalidade de um escritor depende sempre do mundo futuro: das suas referências ideológicas, estéticas ou morais.
O americano Herman Melville é um caso instrutivo: quando publicou “Moby Dick”, em 1851, a crítica afastou-se do autor com repugnância (e os leitores fizeram o mesmo). O “flop” acabaria por determinar a triste existência que Melville teve na fase final da vida.
Passaram décadas. E foi preciso a emergência de uma nova sensibilidade modernista, depois da Primeira Guerra Mundial, para que Melville fosse resgatado do silêncio -e o seu “Moby Dick” eleito como o romance americano por definição.
E que dizer de Franz Kafka? Verdade: o escritor era menos obscuro do que pensamos. Lido e até escutado pelos seus colegas literatos, as histórias de Kafka eram recebidas em lágrimas (de riso) pelo absurdo dos seus enredos.
Foi preciso a destruição material e moral da Europa para que as histórias de Kafka passassem a ser prenúncios de um mundo sombrio, burocrático, totalitário, onde a liberdade individual é esmagada.
Para Chuck Klosterman, é possível conjecturar que o grande escritor do nosso tempo é ainda um nome desconhecido, ou então (mal) conhecido e (mal) apreciado.
Concordo -até certo ponto. Porque é importante lembrar que casos como os de Melville ou Kafka podem ser derrotados por outros nomes consagrados na sua época -e na nossa. Tolstói ou Dickens são candidatos óbvios.
Existe um ponto, porém, em que concordo com ele sem reservas: se o passado ensina alguma coisa é que a universalidade de um escritor depende do equilíbrio sutil entre uma visão talentosa do seu tempo e a relevância dessa visão para tempos posteriores.
Ou, inversamente, um escritor que ignora a realidade circundante, preferindo uma prosa artificialmente “intemporal”, dificilmente será intemporal. Lemos Tolstói ou Dickens para conhecermos mundos distintos -a Rússia e a Inglaterra do século 19-, mas também porque Pierre Bezukhov ou Mr. Scrooge continuam a representar a nossa busca de sentido para a vida e o papel da consciência na nossa conduta.
Klosterman arrisca mesmo uma lista de temas incontornáveis para um escritor atual -a nossa definição, ou indefinição, de privacidade; a relutância em abandonar a adolescência para evitar a vida adulta; o impacto da tecnologia nas relações sociais; etc. -desde que nada disso seja trabalhado de forma óbvia.
Não vou tão longe e dispenso essas listas. Prefiro concluir que os aplausos da crítica ou das massas podem fazer bem ao ego -ou à bolsa. Mas quem escreve para as massas ou para a crítica arrisca-se a perder a eternidade.