por Fernando Muniz
A garota atravessa o parque naquela manhã fria, mãos dentro do casaco, sem parar diante da banca de revistas, com medo de chegar atrasada ao novo emprego.
O sol, tímido, joga luz sobre um velhinho, sobretudo surrado, boné de operário a cobrir os cabelos ralos e luvas gastas, que não devem proteger coisa alguma. Seus olhos, azuis, espelham solidão e desalento.
Sente ternura por aquele homem, perdido entre os pombos, em um banco descascado, de mãos nervosas, uma esquentando a outra.
Ela acena, feito netinha ao avô; ele retribui com um sorriso tímido, dentes amarelados, irregulares. Sente um conforto manso, de quem faz o bem.
Aperta o passo; em cima da hora!
No meio do parque, entre árvores frondosas, sente um forte beliscão na bunda. Vira-se, assustada.
– Vamos pro meu quartinho – a boca do velhinho, escancarada, lasciva, quer devorá-la.