20:50ZÉ DA sILVA

Me acham debiloide. Não ligo. O que importa é o que penso. Eles pensam que eu não penso. Tadinhos. A maioria é completamente fora da casinha na vidinha escrota que levam. Convivo com hordas deles. Sou empacotador de supermercado. Não falo, não pergunto, não reclamo, atendo bem as pessoas. Olho no olhar. Eles desviam. Alguns me cumprimentam. A maioria, leio nos pensamentos, tem pena de mim. Tenho pena deles. Mulheres alucinadas a encher carrinhos como se fosse o último ato sexual de suas existências. Nunca fizeram nada na vida. Casaram, pariram filhos, têm empregadas e, único prazer, depois de anos acumulando pelancas ou esticando a fachada ou tirando parte do bucho, é socar mercadorias no veículo e reclamar da vida. Eu vejo, escuto – e rio por dentro. Meu mundo é meu, mas entendo o deles. Quando aparecem os maridos, estes têm cara que estão prestes a arrebentar o saco. Pagam, pagam, pagam. Nem olham a conta. Para se livrar do tormento. Todos se traem. De uma forma ou de outra. A vida se esvaindo e essa multidão sinucada. Não há saída. Meu mundo é meu. Ninguém entra. Achei uma brecha numa cota para trabalhar, como se isso fosse preciso para essa função mecânica. Não vou lutar contra isso tudo. Gostaria de ser louco, dos desvairados, para não conviver com essa raça que se acha alguma coisa e não passa de um nada horripilante. Faço o que posso. Empacoto – e dou graças a deus não pertencer.

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