Estou morrendo. Se alguém estiver lendo, não se preocupe. Todos nós morremos a cada dia – e desde que fomos concebidos no papai-e-mamãe. Ouço os fogos que assustam os cachorros. Espoucar de champanhes ou sidras, tanto faz. Não tenho mais saco para essas confraternizações familiares, mesmo porque abandonei e fui abandonado. Sou um velho. Ranzinza. Ando e respiro com dificuldade. Moro num quartinho nos fundos de uma casa à beira-mar. Ela está sempre vazia. Os donos ficaram com pena de mim. Sou um guardião que agora tem onde cair morto – e o fim se aproxima velozmente. Perdi quase toda a memória. Sei o meu nome. Na casa vizinha uma televisão com som em volume máximo faz a contagem regressiva. Sinto uma dor forte no peito. Será que minha passagem para o nada chegou? Não! Agora vem aquele período em que reforço a convicção de que as festas de fim de ano me apresentam uma única certeza. Talvez por isso deseje sempre felicidade aos que ainda falam comigo.