por Célio Heitor Guimarães
Há um artigo interessante no último número da revista Veja, com o título acima, escrito por Kris Mauren, diretor executivo do Acton Institute, “um think tank global voltado para o estudo da religião e da liberdade”. Não tenho a menor ideia do que seja um “thing tank” e nem quero saber, embora saiba que o Acton Institute é uma entidade conservadora criada em Michigan, EUA, e destinada a “promover uma sociedade livre e virtuosa, caracterizada pela liberdade individual e baseada em princípios religiosos”. Pelo menos é o que nos informa a “professora Wikipédia”.
Isso tudo pouco importa aqui. O que importa é que Kris Mauren, em seu artigo, diz com todas as letras o que todo mundo consciente sabe, mas não têm como dizer: não há interesse de acabar com a pobreza no mundo. Ao contrário, há em atividade uma cínica e perversa indústria montada com o propósito de promover “um incestuoso e interesseiro enlace entre instituições governamentais, não governamentais e corporativas cuja existência depende justamente da continuidade da pobreza”. Ou seja – como bem acentua o autor –, “enquanto os pobres ficam mais pobres, uma legião de profissionais envolvidos em atividades em seu benefício e em seu nome tem se saído muito bem, obrigado”.
Nesta terceira visita ao Brasil, Kris Mauren veio lançar a versão dublada em português de um documentário, “Pobreza S.A.”, que produziu com a intenção de mostrar que alguma coisa está errada na forma como as sociedades ajudam os que precisam, e que, com sua “ajuda”, apenas pioram a situação dos miseráveis.
Ele diz não conhecer a fundo os programas contra a pobreza no Brasil, mas vê com simpatia o Bolsa Família, cuja ação entende ter o mérito de estabelecer uma política a ser seguida, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde se gastam 1 trilhão de dólares por ano em vários programas sociais, com pouquíssimo proveito dos mais pobres, em face da burocracia existente.
Segundo Mauren, o debate sobre como prover os mais pobres parte de um princípio equivocado: vê os pobres como objeto de caridade, desprezando a sua dignidade e a sua capacidade de suprir as suas necessidades e de suas famílias.
Na pesquisa que resultou no documentário, Kris Mauren realçou – com alicerce em uma dolorosa afirmação de um haitiano – que, ao contrário do que muita gente pensa e até afirma, “ninguém quer ser pedinte a vida inteira”. O que o pobre precisa é tão somente de uma chance para se integrar na sociedade e na economia.
Outro obstáculo apontado no trabalho: a burocracia para abrir um pequeno negócio. No Perú, a legalização de uma pequena empresa custa o equivalente a 300 dias de trabalho em período integral e 32 salários mínimos. Quer dizer: é um incentivo à informalidade, sujeita a roubos, fiscalização implacável e autoridades corruptas.
E Mauren narra um fato presenciado por ele próprio: no Rio Grande do Sul, quis comprar uma rede para presentear o filho, um produto artesanal, feito a mão. Estava acompanhado do deputado gaúcho Marcel Van Hattem. Encontraram um vendedor de redes instalado à beira da estrada. Souberam, então, que as redes eram feitas por parentes do vendedor no Norte do Brasil, para onde ele viajava com frequência para visitar a família e trazer o produto para venda. Registra: “Era um homem decente e trabalhador”. As mesmo tempo, porém, “um criminoso, que operava um negócio ilegal”.
Feita a compra, o deputado entregou seu cartão de visita ao vendedor. Pouco depois, ao sair de uma igreja, lá estava o vendedor de redes à espera do deputado. Com o cartão na mão e lágrimas nos olhos, implorou a ajuda do parlamentar: mais do que tudo, queria legalizar seu negócio. Disse das dificuldades e da vulnerabilidade de sua situação informal. Não pedia esmolas de programas sociais. Queria, simplesmente, uma oportunidade para viver como cidadão, desempenhar a sua atividade na legalidade e sustentar a sua família com dignidade.
É pedir muito? No Brasil e em boa parte do mundo, sim. Governantes omissos e incompetentes, patifes que sobrevivem da desgraça alheia e aquela indústria que cresce a todo o vapor com a pobreza humana não permitem mudanças.
E qual será a vantagem se reduzirmos a pobreza, acabarmos com a pobreza? Pormos fim ao analfabetismo? Muitos Estados estão se fundamentaram, Brasil dentre eles, na administração da pobreza, da miséria, do analfabetismo, na infraestrutura precária, na Saúde que nada cura, na escola que não ensina e muito menos educa. O que seria de nós, restrinjo-me agora só ao Brasil, se a miséria acabasse? Se os pobres ficassem só um pouco menos pobres? Se o Bolsa-Família já tivesse ficado no passado? Se a alunada saísse da escolas lendo, escrevendo e fazendo as quatro operações? O que seria de nós? Com certeza deixaríamos de ser aquele gigante deitado em berço esplêndido, escândalos como este da Lava jato não seriam possíveis e, matanças como a de Manaus jamais voltariam a acontecer, mas isto começa com Se e, como meu pai dizia, Se, meu filho, não existe.