Rogério Distéfano
TIA IGNES, oito décadas e meia, tem convicção formada sobre qualquer assunto. Assuntos do cotidiano, que saem no jornal, no rádio e na televisão. Viciada em noticiário, fissurada no Atlético Paranaense, decepcionada com a política – “fui do MDB velho de guerra, de antes da corrupção e das loucuras do Requião”. Dos dezoito e nada aos sessenta e meio esteve no magistério estadual – “eduquei os filhos de muita gente nesta cidade”.
ABRE O DIA com a Gazeta do Povo, que lê de cabo a rabo: “agora que ficou fininha, ficou melhor”. É dos raríssimos assinantes que preferem o jornal encolhido, mofino. Tem suas razões, as da professora do Colégio Júlia Wanderley, moralista e rigorosa. “Quantas vezes estive por atravessar a Vicente Machado e bater na casa do doutor Francisco para reclamar dos anúncios de prostituição”.
OS CLASSIFICADOS tia Ignês pulava na leitura na Gazetona. “Quando acabou a pouca vergonha o jornal ficou fininho, mas ficou melhor”. Com a Gazetinha, é assim que tia Ignes chama, ela volta a ler os classificados. Da minha primeira infância até esta infância derradeira estou a aprender com tia Ignes. Analisando os classificados da Gazetinha, ela identificou um grave sintomas da crise econômica brasileira.
“SÓ TEM GENTE oferecendo consórcio que não pode pagar, de apartamento a geladeira querem passar pra frente, salvando o crédito e uns trocados”. Me fiz de inteligente e ponderei, ‘tia Ignes, também não tem ofertas de emprego’. Ela me lança o olhar de piedade, que conheço desde quando errava a divisão com dois algarismos: “Emprego, que emprego? Se tem emprego tem pagamento de consórcio”.