por Ivan Schmidt
Pensei bem e para alívio dos leitores nesse derradeiro encontro de 2016, que os comentaristas políticos estão acertadamente chamando de “annus horribilis”, tomei a decisão de deixar de lado as jeremiadas de costume e fazer minhas as palavras da crônica escrita em dezembro de 1958, pelo capixaba Rubem Braga, o maior cronista brasileiro do século passado, sob o título “Natal de Severino de Jesus”. Pela transcrição agradeço.
Severino de Jesus não seria anunciado por nenhuma estrela, mas por um mero disco voador.
Que seria seguido pela reportagem especializada.
O qual disco desceria junto à Hospedaria Getúlio Vargas, em Fortaleza, Ceará, abrigo de retirantes.
Porém, Jesus não estaria na hospedaria, por falta de lugar.
Nem tampouco estaria no conforto de uma manjedoura.
Jesus estaria no colo de Maria, em uma rede encardida, debaixo de um cajueiro.
Porque é debaixo de cajueiros que vivem e morrem os meninos cujos pais não encontram lugar na hospedaria.
E Jesus estaria desidratado pela disenteria.
Mas sobreviveria, embora esquelético.
E cresceria barrigudinho.
E não iria ao templo discutir com os doutores, mas à Televisão responder a perguntas.
E haveria muitas perguntas cretinas.
Tais como:
Por que, sendo filho do Espírito Santo, você foi nascer no Ceará e não em Cachoeiro do Itapemirim?
Jesus sorriria. E desceria para o Nordeste.
E para viver, Jesus iria para o mangue catar sururu.
E desceria depois em um pau-de-arara até o Rio.
Onde faria vários serviços úteis, tais como:
Levar a trouxa de roupa suja de Maria.
Tocar tamborim.
Entregar cigarros e maconha.
Então Herodes ordenaria uma batida no morro.
Porém Jesus escaparia.
E seria roubado por um mendigo que o poria a tirar esmola na porta da igreja.
E sendo lourinho e de olhos azuis, parecido com Cristo, Jesus faria grandes férias.
Porém, tendo desviado uma notinha para comprar um picolé, levaria um sopapo na cara.
E escaparia do mendigo e seria protegido por Vitinho do Querosene.
Inocentemente, participaria do seu bando.
Inocentemente seria internado no SAM(*).
Depois seria egresso do SAM.
E aqui é que a porca torce o rabo, porque não sei mais o que vou fazer cm o meu herói.
Mesmo porque até hoje ninguém sabe o que fazer com um egresso do SAM.
Ele não tem posses bastantes para ingressar na juventude transviada.
Quem não ingressa continua egresso.
Os meninos se dividem em externos, internos, semi-internos e egressos.
O lema da bandeira se divide em ordem e progresso.
Enquanto o verdadeiro Cristo nasce em todo Natal e morre em toda Quaresma.
Eu conto essa história de Jesus menino, Severino de Jesus, para lembrar que:
Aquele Jesus que era o Cristo, que Ele nos abençoe.
Mas eu duvido um pouco que Ele nos abençoe.
Ele está preocupado com seu irmão Severino de Jesus, que eu, autor, abandonei.
Em vista do que ele se tornou o conhecido menor abandonado.
É impossível socorrer o menor abandonado, pois se assim se fizer ele deixará de ser abandonado.
E se não houver menores abandonados várias senhoras beneficentes não terão o que fazer.
E vários senhores que falam na televisão sobre o problema dos menores abandonados não terão o que dizer.
E esta minha crônica de Natal não terá nenhuma razão de ser.
PS – Aos amigos e leitores que me honraram com sua benévola atenção ao longo do ano, além do sincero agradecimento aproveito para formular os melhores votos de Feliz Natal e venturoso Ano Novo. Lá por meados de janeiro estarei de volta. Até.